Divagações: Judy

Lá por 2012 eu tive a oportunidade de assistir a uma montagem de Judy Garland - O Fim do Arco-Íris, a versão brasileira da peça musical En...

Lá por 2012 eu tive a oportunidade de assistir a uma montagem de Judy Garland - O Fim do Arco-Íris, a versão brasileira da peça musical End of the Rainbow, de Peter Quilter. Apesar de não ter praticamente nenhum conhecimento anterior sobre a atriz – muito pela distância temporal –, não deixei de me comover com a história, sobretudo em vista dos abusos sofridos por Garland no início de sua carreira e em seu papel mais célebre.

Foi só depois de assistir Judy que descobri que o filme foi baseado no roteiro de Quilter, o que explica as muitas similaridades que percebi e que transformaram a experiência de ver esta produção em algo particularmente intrigante. Eu me permiti ver Judy não apenas como uma cinebiografia (o que ela certamente não é, pelo menos a nível estrutural), mas também como uma adaptação.

Aliás, digo que não considero Judy um filme biográfico porque ele toma certas liberdades criativas e escolhe uma fatia bastante específica da vida da atriz como foco. No longa-metragem, vemos o final da carreira de Judy Garland (Renée Zellweger), já com seus quarenta e tantos anos, enquanto ela lida com seus problemas com o álcool e drogas e, sobretudo, com a sua minguante relevância nos Estados Unidos.

A situação delicada a leva a aceitar uma série de shows em Londres, como uma tentativa de colocar sua vida nos eixos e, eventualmente, recuperar a guarda de seus dois filhos. Porém, os fantasmas da atriz acabam se colocando entre o nascente interesse romântico com o jovem Mickey Deans (Finn Wittrock) e os conflitos com Rosalyn Wilder (Jessie Buckley), a responsável por fazer os shows de Garland darem certo em solo britânico.

Ainda que intercale a narrativa com momentos anteriores da vida da atriz, esses interlúdios são apenas vinhetas, servindo mais para reforçar os problemas vistos no período em que o filme majoritariamente se passa. Ou seja, as inserções servem mais para justificar o drama do que para serem um esforço consciente de explicar a trajetória de Garland. Sendo assim, ficam de fora várias coisas que os fãs poderiam considerar importantes e comportamentos complexos são explicados de modo simplista, sobretudo quando estamos falando de assuntos pesados, como abusos e vícios.

Assim, acredito que, quando comparado às histórias que li a respeito e à própria peça, Judy suaviza consideravelmente diversas questões, o que talvez seja um desserviço em uma época em que esses temas estão bastante em voga. Ao mesmo tempo, entendo que essa é uma escolha que também serve para amenizar as partes mais desagradáveis da personalidade de Garland.

Felizmente, o trabalho de Renée Zellweger carrega o filme. Ainda que eu não seja o maior especialista no assunto, ouvi muitos elogios a respeito da fidelidade da representação. Além disso, considerado apenas a carga dramática (e a necessidade de um talento musical considerável), Zellweger entrega um trabalho mais do que satisfatório. Ainda que ela não soe e não se pareça tanto assim com a atriz, ela me vendeu completamente a performance. No final das contas, é até difícil lembrar do resto do elenco, já que Zellweger basicamente toma todo o filme para si.

Dito isso, não sei se quem conhece a fundo a trajetória de Judy Garland vai se incomodar com as várias lacunas ou apreciar a maneira como o filme representa suas situações. Mas, tudo considerado, acredito que Judy faz um trabalho competente, tanto em sua recriação de época quanto na escolha de músicas e, sobretudo, nas atuações.

O filme pode até ser um pouco moroso em sua primeira metade e não há exatamente um senso forte de encerramento, mas, se pensarmos que a vida de Judy Garland também foi bruscamente interrompida, isso até que é apropriado. Aliás, as marcas que o filme carrega – vindas de seu roteiro de teatro, com um lugar e tempo bem delimitados –, podem funcionar tanto a favor quanto contra a percepção do público quanto à produção.

Se você estiver disposto a ver um drama competente e com uma boa atuação, Judy é exatamente isso. Porém, eu certamente entendo quem busca por outra coisa, como um panorama mais geral da vida de uma grande estrela de uma época, ou um retrato que não se foque tanto nos momentos mais sombrios e deprimentes de uma carreira que, certamente, não foi apenas uma tragédia.

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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