Divagações: Green Book
1.1.20
Às vezes, um filme atrai certa “polêmica” e acaba sendo manchado por isso. Com Green Book –vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2019 –, a principal questão eram as acusações de um ponto de vista racista. Ainda que muitas considerações possam ser feitas a respeito e que realmente exista espaço para esse tipo de argumento, não posso deixar de comentar que o filme tem boas intenções (bom...) e que aborda o assunto de frente. O próprio título, que faz referência a uma publicação destinada ao público negro, deixa claro que esse é um dos principais eixos temáticos da produção.
Dito isso, vale colocar também que, na verdade, o principal erro dos realizadores foi não ter entrado em contato com os familiares de Donald Shirley. Esta é uma história baseada em acontecimentos reais, mas que envolve principalmente as memórias de um dos lados de um relacionamento – Nick Vallelonga, filho de Tony Lip, é produtor e roteirista do filme, além de contar com uma breve participação como ator.
Assim, após o lançamento do filme, membros da família do pianista apresentaram visões diferentes a respeito de alguns momentos e apontaram inconsistências (algo inevitável em uma adaptação cinematográfica, mas que poderia ter sido minimizado). Para completar, o próprio Mahershala Ali lamentou não ter tido contato prévio com os familiares e disse que isso poderia ter acrescentado nuances a sua performance.
A história, em resumo, acompanha a relação profissional e a amizade que surge entre o pianista clássico Donald Shirley (Ali) e seu motorista, Tony Lip (Viggo Mortensen). Em plena década de 1960, o racismo nos Estados Unidos não era nem sequer disfarçado e, embora Shirley fosse recebido em importantes hotéis e se apresentasse em festas a rigor, seu público não tolerava sua presença “fora de contexto”. Ainda assim, ele fez questão de realizar uma turnê pelos estados mais racistas do país, marcando presença como um homem negro educado e bem-sucedido.
Ao mesmo tempo, ele tem a seu lado a constante companhia de um italiano bronco e que não entende muito bem a importância do que ele está tentando realizar. Contratado para ser um misto de motorista e guarda-costas, Tony Lip também é fruto de uma sociedade racista, mas isso não impede que ele se sensibilize com os sacrifícios e as dificuldades que envolvem o dia a dia de seu chefe. Ele não é uma pessoa perfeita – nem de longe – e está até mesmo relutando em aprender, mas está lá.
Como o filme é contado a partir do ponto de vista de Tony Lip, Donald Shirley é apresentado como uma figura estranha, cheia de esquisitices e comportamentos que ele não compreende. Aos poucos, ele vai se tornando uma figura mais humana (e vejam como o termo é complicado!), abrindo espaço para o surgimento de uma amizade. Narrativamente, isso funciona muito bem e faz com que Green Book seja um filme cativante – mas a muito a ser problematizado nesse enfoque.
O longa-metragem também ganha pelo delicado equilíbrio entre um texto sério, com uma série de momentos fortes, e os momentos mais leves, vividos no dia a dia dos protagonistas. Assim, episódios de racismo e retratos de depressão acabam intercalados por diversas sequências de Viggo Mortensen comendo ou tentando escrever cartas românticas para a esposa (Linda Cardellini). Isso faz com que o filme seja mais palatável e se aproxime do público, mas sem nunca perder o peso da história de vista.
Mas isso só funciona porque Green Book tem uma dupla de atores que conseguem dar conta do recado – e porque o diretor Peter Farrelly resistiu bastante a seus instintos cômicos. Tanto Mortensen quanto Ali sabem da responsabilidade envolvida com o que estão retratando e não brincam em serviço. Eles seguram o filme nas costas em um trabalho compartilhado e são essenciais para que a produção transmita a credibilidade necessária.
Afinal, a história em si não deixa de ter uma estrutura já conhecida e não há nenhuma grande reviravolta. Como tudo é previsível, o que importa é mostrar a jornada direito. Green Book foi feito com carinho e isso transparece.
Dito isso, vale colocar também que, na verdade, o principal erro dos realizadores foi não ter entrado em contato com os familiares de Donald Shirley. Esta é uma história baseada em acontecimentos reais, mas que envolve principalmente as memórias de um dos lados de um relacionamento – Nick Vallelonga, filho de Tony Lip, é produtor e roteirista do filme, além de contar com uma breve participação como ator.
Assim, após o lançamento do filme, membros da família do pianista apresentaram visões diferentes a respeito de alguns momentos e apontaram inconsistências (algo inevitável em uma adaptação cinematográfica, mas que poderia ter sido minimizado). Para completar, o próprio Mahershala Ali lamentou não ter tido contato prévio com os familiares e disse que isso poderia ter acrescentado nuances a sua performance.
A história, em resumo, acompanha a relação profissional e a amizade que surge entre o pianista clássico Donald Shirley (Ali) e seu motorista, Tony Lip (Viggo Mortensen). Em plena década de 1960, o racismo nos Estados Unidos não era nem sequer disfarçado e, embora Shirley fosse recebido em importantes hotéis e se apresentasse em festas a rigor, seu público não tolerava sua presença “fora de contexto”. Ainda assim, ele fez questão de realizar uma turnê pelos estados mais racistas do país, marcando presença como um homem negro educado e bem-sucedido.
Ao mesmo tempo, ele tem a seu lado a constante companhia de um italiano bronco e que não entende muito bem a importância do que ele está tentando realizar. Contratado para ser um misto de motorista e guarda-costas, Tony Lip também é fruto de uma sociedade racista, mas isso não impede que ele se sensibilize com os sacrifícios e as dificuldades que envolvem o dia a dia de seu chefe. Ele não é uma pessoa perfeita – nem de longe – e está até mesmo relutando em aprender, mas está lá.
Como o filme é contado a partir do ponto de vista de Tony Lip, Donald Shirley é apresentado como uma figura estranha, cheia de esquisitices e comportamentos que ele não compreende. Aos poucos, ele vai se tornando uma figura mais humana (e vejam como o termo é complicado!), abrindo espaço para o surgimento de uma amizade. Narrativamente, isso funciona muito bem e faz com que Green Book seja um filme cativante – mas a muito a ser problematizado nesse enfoque.
O longa-metragem também ganha pelo delicado equilíbrio entre um texto sério, com uma série de momentos fortes, e os momentos mais leves, vividos no dia a dia dos protagonistas. Assim, episódios de racismo e retratos de depressão acabam intercalados por diversas sequências de Viggo Mortensen comendo ou tentando escrever cartas românticas para a esposa (Linda Cardellini). Isso faz com que o filme seja mais palatável e se aproxime do público, mas sem nunca perder o peso da história de vista.
Mas isso só funciona porque Green Book tem uma dupla de atores que conseguem dar conta do recado – e porque o diretor Peter Farrelly resistiu bastante a seus instintos cômicos. Tanto Mortensen quanto Ali sabem da responsabilidade envolvida com o que estão retratando e não brincam em serviço. Eles seguram o filme nas costas em um trabalho compartilhado e são essenciais para que a produção transmita a credibilidade necessária.
Afinal, a história em si não deixa de ter uma estrutura já conhecida e não há nenhuma grande reviravolta. Como tudo é previsível, o que importa é mostrar a jornada direito. Green Book foi feito com carinho e isso transparece.
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