Divagações: Oppenheimer

Se você perguntasse para o pequeno Vinicius o que ele queria ser quando crescesse, ele não diria jogador de futebol ou bombeiro, mas: “Cient...

Oppenheimer
Se você perguntasse para o pequeno Vinicius o que ele queria ser quando crescesse, ele não diria jogador de futebol ou bombeiro, mas: “Cientista!”. Desde cedo, eu era fascinado por entender como o mundo ao meu redor funcionava, e uma dieta de TV Cultura e bons livros ajudaram a firmar essa ideia. O tempo passou e percebi que não tinha lá muito jeito para as “hard sciences”, mas – ainda que tenha deixado elas de lado para me situar no ingrato ramo das humanidades – continuo tendo um respeito muito profundo por aqueles na linha de frente da produção do conhecimento científico.

Foi esse tipo de pensamento que me levou a ler, quase duas décadas atrás, a ótima autobiografia do físico Richard Feynman. Com ela, tive o primeiro contato mais pessoal com os bastidores do projeto Manhattan e notei que, por trás da mística e do glamour destes experimentos de ponta, no fim do dia eram apenas pessoas, com suas políticas, seus (enormes) egos e suas personalidades – tudo amplificado pela tarefa absurdamente monumental à frente.

Talvez a figura mais influente dessa geração tenha sido J. Robert Oppenheimer, o diretor do projeto e o pivô de várias mudanças radicais da política nuclear americana. Por isso mesmo, ele não ficou isento de polêmicas, especialmente considerando o impacto de seu trabalho nos anos seguintes. Essa situação me deixou temeroso de que uma tentativa de adaptar sua história em algo facilmente digestível para o cinema acabasse incorrendo em simplificações crassas e uma dose de maniqueísmo, transformando os envolvidos em heróis ou vilões, quando eles são apenas pessoas.

Porém, Christopher Nolan parecia comprometido em dar o seu melhor. Com grandes ambições estilísticas e narrativas, Oppenheimer não parecia uma cinebiografia a ser imediatamente esquecida, destas que seguem à risca as receitas desse tipo de história.

O filme, então, abandona a linearidade para se sustentar em uma estrutura narrativa focada na audiência de confirmação do então candidato a membro do gabinete presidencial Lewis Strauss (Robert Downey Jr.), em 1959, e no testemunho do próprio Oppenheimer (Cillian Murphy) à comissão de segurança nacional, em 1954. Com isso, há uma clara intenção de apresentar um panorama da vida do cientista, mas também o colocar dentro de uma conjuntura social e histórica muito maior do que ele.

Assim, o que mais me interessou na execução do filme é que ele não tem vergonha de mostrar que a ciência não é politicamente neutra e que, como qualquer outra coisa, ela se expressa no meio de uma sociedade que tem seus vieses e problemas. Desta forma, o longa-metragem consegue trazer um balanço relativamente maduro a respeito do tema.

Ao mesmo tempo, Oppenheimer acaba se preocupando muito mais em discutir como as conjunturas geopolíticas se constituíram e o impacto delas na academia do que falar dos prótons e nêutrons. Não à toa, o filme passa muito mais tempo enfatizando como a bomba mudou o mundo e a responsabilidade pessoal dos envolvidos do que cantando os louros de seu protagonista como um grande gênio capaz de ver o que ninguém mais viu. Se não fosse ele seria outra pessoa, o filme parece nos dizer.

Mas, quando sai dos aspectos “macro” para ir ao “micro”, o roteiro peca um pouco. Os personagens são interessantes, mas não excepcionalmente distintos ou memoráveis por si só. Obviamente, os atores fazem um trabalho a altura desse tipo de produção, mas apenas Robert Downey Jr. parece realmente se destacar com uma atuação multifacetada e longe da que costuma entregar, algo enfatizado pela fotografia distinta e potente das sequências que ele protagoniza.

O filme parece também minimizar os problemas pessoais de Oppenheimer e dar a famosa “passada de pano” na vida daquele que acompanha. A produção não esconde seu caso com Jean Tatlock (Florence Pugh) e a relação complicada com a esposa Kitty (Emily Blunt), mas acaba deixando de lado os severos problemas psicológicos do protagonista, que só aparecem em uma esquisitíssima sequência inicial que não me caiu muito bem. As visões políticas também acabam reduzidas, especialmente considerando a perseguição que ele sofreu por conta delas, de modo que o protagonista é retratado muitas vezes como um indeciso sem grandes convicções, quando o consenso histórico é bastante distinto.

De qualquer modo, todo o marketing sobre filmagens em vários formatos especiais (especialmente IMAX 70 mm, algo que não temos no Brasil), parece se justificar. Oppenheimer não só entrega o espetáculo que esse tipo de formato proporciona, com cenas abertas muito bonitas, mas faz uma coisa bem rara para esse tipo de filme, com cenas mais pessoais e em ambientes fechados funcionando excepcionalmente bem. Certamente, a produção cria um patamar a ser batido para esse tipo de composição.

Além disso, a mixagem de som também está absurdamente boa, o que talvez seja, para mim, o maior atrativo de ver esse filme em uma boa sala de cinema. Mais do que a imagem, o som dá todo o peso que você espera desse tipo de história.

Extremamente polido e competente, Oppenheimer é um daqueles filmes raros de se ver até nos mais prestigiosos círculos do cinema. Mesmo com suas longas três horas de duração, ele não se arrasta ou parece se alongar desnecessariamente. Como cinema, ele é impecável, ainda que talvez falte alguma substância maior ou um cerne emocional mais forte à narrativa. Talvez não seja bombástico (com o perdão do trocadilho) e capaz de alcançar as altíssimas expectativas colocadas para a produção, mas é um filme que entende seu público e é mais do recomendado aos amantes de cinema. Pena que, ao contrário do real Oppenheimer, esse aqui talvez não consiga mudar o mundo.

Outras divagações:
Batman Begins
Inception
The Dark Knight Rises
Interstellar
Dunkirk

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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