Divagações: Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem
23.8.23
Com o perdão do trocadilho, Tartarugas Ninja é uma das franquias mais mutantes em termos de tom e identidade que há por aí. Já tivemos quadrinhos ultraviolentos, desenhos bem infantis, animes bizarros e um enorme leque de filmes que variam imensamente de estilo, qualidade e escopo.
Assim, como não existe exatamente um padrão a ser alcançado, vários destes projetos existem apenas para trazerem uma marca facilmente reconhecível. Muitos criadores não parecem exatamente interessados em trabalhar com os aspectos únicos da questão, fazendo com que tenhamos altos e baixos muito perceptíveis – com os baixos sendo a ponta mais frequente desta escala.
Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem é a sétima incursão das tartarugas nos cinemas. Para honrar a tradição, é algo completamente diferente do que que vimos anteriormente, com uma intenção bastante clara de sair do feijão com arroz e subir nas costas de Rise of the Teenage Mutant Ninja Turtles, a série animada de 2018 que, mesmo sendo divisiva com alguns fãs, teve uma boa recepção e uma identidade visual e narrativa forte.
A produção, então, parece compartilhar desta estética sem ignorar a muito perceptível influência de Spider-Man: Into the Spider-Verse, que vem fazendo escola entre os animadores ocidentais. Com isso, pela primeira vez em muito tempo, eu me dei ao luxo de ficar animado com o projeto, afinal, sou tiete de animação e qualquer coisa que empurre o meio para frente é bem-vinda.
Mas vamos ao que interessa. A grande vantagem de uma franquia como esta é que todos já sabem muito bem qual é a ideia. Quinze anos atrás, um composto químico misterioso entrou em contato com quatro tartarugas abandonadas no esgoto e um rato que passava por lá, transformando o grupo em mutantes. Assim, as tartarugas Leonardo (Nicolas Cantu/Rodrigo Ribeiro), Raphael (Brady Noon/Victor Hugo Fernandes), Michelangelo (Shamon Brown Jr./Enzo Dannemann) e Donatello (Micah Abbey/Arthur Carneiro) cresceram sob a tutela de Splinter (Jackie Chan/Marco Ribeiro).
Na trama, as tartarugas adolescentes anseiam se juntar ao mundo humano, a despeito da desaprovação de seu pai, que teme que elas serão rejeitadas por sua natureza mutante. Para buscar a aprovação da sociedade humana, eles têm a ideia de se tornarem heróis, impedindo os crimes de uma nova figura criminosa conhecida como Superfly (Ice Cube/Jorge Lucas), o que os coloca diretamente em contato com a estudante e aspirante a repórter April O'Neil (Ayo Edebiri/Any Gabrielly), que também investiga os casos.
Com um foco muito mais forte no “Teenage”, Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem é um produto consideravelmente diferente do que víamos da série recentemente. Isso se reflete no elenco da dublagem original, majoritariamente composto por atores jovens e menos experientes, e em um roteiro que busca refletir mais este aspecto dos personagens. Com isso, Splinter assume uma postura muito mais paternal do que de mentor e há uma busca maior por identidade e aceitação. Também surgem temas mais geracionais, com referências à cultura pop contemporânea, e um ritmo mais acelerado e entrecortado que ecoa as micronarrativas de redes sociais como o TikTok.
Este foco dado pelo filme é sua maior fraqueza e sua maior força. Ao contrário de muitos dos seus predecessores, Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem aposta no que quer ser e no que quer dizer; e isso carrega o filme até a linha de chegada sem maiores tropeços. Porém, é indiscutível que essas ideias vão alienar um público que busca familiaridade.
Também há outra questão: os adolescentes de hoje em dia realmente são fãs ou quem gosta destes personagens são aqueles que vem acompanhando por mais de trinta anos? A dissonância em usar uma propriedade intelectual conhecida e uma linguagem nova deve causar algum estranhamento, especialmente porque o filme não tem amor algum pelo “cânone” das iterações passadas. Os personagens são diferentes dos originais e muitos elementos clássicos da série estão ausentes. Isso é somado a um tipo específico de humor (de responsabilidade de Seth Rogen e Evan Goldberg) e ao uso extensivo de referências, o que pode deixar os “puristas” desapontados.
De qualquer modo, a animação é bacana e, por vezes, lembra stop motion, com uma fisicalidade legal e uma colorização interessante, além de trazer um uso competente de mixed media. Entretanto, só uma ou duas sequências de ação têm uma coreografia interessante o bastante para se aproveitar da animação. Assim, o resultado poderia ter sido mais impactante, mas ainda é possível ver que os animadores tiveram muita liberdade para se expressar no projeto. Por mais que falte o polimento que um estúdio maior daria, não vejo como reclamar.
Também acho importante mencionar a dublagem nacional do filme, que manteve o perfil de elenco jovem do original (até mais de vez em quando, considerando a faixa de 13 a 17 anos) e que se segura muito bem. A exceção talvez seja Any Gabrielly que, mesmo tendo uma boa voz de canto em outros filmes, aqui entrega uma atuação muito engessada. Ainda que faltem os grandes nomes da produção americana, aqui temos um trabalho sólido que não subtrai (muito) do resultado – o que é uma métrica positiva considerando quão difícil será encontrar salas legendadas deste filme no Brasil.
No fim, dá para dizer que o filme é meio descoordenado, com tom sombrio demais para ser infantil e um humor pueril demais para ser adulto. Mas ele acaba sendo ironicamente uma ótima definição de adolescente, preso no meio dessas duas ambições irreconciliáveis. Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem é, por métricas mais objetivas, um bom filme, mesmo que tenha potencial para ser particularmente indigesto para alguma parte do público. Sua sensibilidade não vai ressoar com todo mundo, mas acredito ser um daqueles casos em que os materiais e visual falam por si mesmos. Se eles o atraíram, vá checar.
Outras divagações:
The Mitchells vs the Machines
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Assim, como não existe exatamente um padrão a ser alcançado, vários destes projetos existem apenas para trazerem uma marca facilmente reconhecível. Muitos criadores não parecem exatamente interessados em trabalhar com os aspectos únicos da questão, fazendo com que tenhamos altos e baixos muito perceptíveis – com os baixos sendo a ponta mais frequente desta escala.
Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem é a sétima incursão das tartarugas nos cinemas. Para honrar a tradição, é algo completamente diferente do que que vimos anteriormente, com uma intenção bastante clara de sair do feijão com arroz e subir nas costas de Rise of the Teenage Mutant Ninja Turtles, a série animada de 2018 que, mesmo sendo divisiva com alguns fãs, teve uma boa recepção e uma identidade visual e narrativa forte.
A produção, então, parece compartilhar desta estética sem ignorar a muito perceptível influência de Spider-Man: Into the Spider-Verse, que vem fazendo escola entre os animadores ocidentais. Com isso, pela primeira vez em muito tempo, eu me dei ao luxo de ficar animado com o projeto, afinal, sou tiete de animação e qualquer coisa que empurre o meio para frente é bem-vinda.
Mas vamos ao que interessa. A grande vantagem de uma franquia como esta é que todos já sabem muito bem qual é a ideia. Quinze anos atrás, um composto químico misterioso entrou em contato com quatro tartarugas abandonadas no esgoto e um rato que passava por lá, transformando o grupo em mutantes. Assim, as tartarugas Leonardo (Nicolas Cantu/Rodrigo Ribeiro), Raphael (Brady Noon/Victor Hugo Fernandes), Michelangelo (Shamon Brown Jr./Enzo Dannemann) e Donatello (Micah Abbey/Arthur Carneiro) cresceram sob a tutela de Splinter (Jackie Chan/Marco Ribeiro).
Na trama, as tartarugas adolescentes anseiam se juntar ao mundo humano, a despeito da desaprovação de seu pai, que teme que elas serão rejeitadas por sua natureza mutante. Para buscar a aprovação da sociedade humana, eles têm a ideia de se tornarem heróis, impedindo os crimes de uma nova figura criminosa conhecida como Superfly (Ice Cube/Jorge Lucas), o que os coloca diretamente em contato com a estudante e aspirante a repórter April O'Neil (Ayo Edebiri/Any Gabrielly), que também investiga os casos.
Com um foco muito mais forte no “Teenage”, Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem é um produto consideravelmente diferente do que víamos da série recentemente. Isso se reflete no elenco da dublagem original, majoritariamente composto por atores jovens e menos experientes, e em um roteiro que busca refletir mais este aspecto dos personagens. Com isso, Splinter assume uma postura muito mais paternal do que de mentor e há uma busca maior por identidade e aceitação. Também surgem temas mais geracionais, com referências à cultura pop contemporânea, e um ritmo mais acelerado e entrecortado que ecoa as micronarrativas de redes sociais como o TikTok.
Este foco dado pelo filme é sua maior fraqueza e sua maior força. Ao contrário de muitos dos seus predecessores, Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem aposta no que quer ser e no que quer dizer; e isso carrega o filme até a linha de chegada sem maiores tropeços. Porém, é indiscutível que essas ideias vão alienar um público que busca familiaridade.
Também há outra questão: os adolescentes de hoje em dia realmente são fãs ou quem gosta destes personagens são aqueles que vem acompanhando por mais de trinta anos? A dissonância em usar uma propriedade intelectual conhecida e uma linguagem nova deve causar algum estranhamento, especialmente porque o filme não tem amor algum pelo “cânone” das iterações passadas. Os personagens são diferentes dos originais e muitos elementos clássicos da série estão ausentes. Isso é somado a um tipo específico de humor (de responsabilidade de Seth Rogen e Evan Goldberg) e ao uso extensivo de referências, o que pode deixar os “puristas” desapontados.
De qualquer modo, a animação é bacana e, por vezes, lembra stop motion, com uma fisicalidade legal e uma colorização interessante, além de trazer um uso competente de mixed media. Entretanto, só uma ou duas sequências de ação têm uma coreografia interessante o bastante para se aproveitar da animação. Assim, o resultado poderia ter sido mais impactante, mas ainda é possível ver que os animadores tiveram muita liberdade para se expressar no projeto. Por mais que falte o polimento que um estúdio maior daria, não vejo como reclamar.
Também acho importante mencionar a dublagem nacional do filme, que manteve o perfil de elenco jovem do original (até mais de vez em quando, considerando a faixa de 13 a 17 anos) e que se segura muito bem. A exceção talvez seja Any Gabrielly que, mesmo tendo uma boa voz de canto em outros filmes, aqui entrega uma atuação muito engessada. Ainda que faltem os grandes nomes da produção americana, aqui temos um trabalho sólido que não subtrai (muito) do resultado – o que é uma métrica positiva considerando quão difícil será encontrar salas legendadas deste filme no Brasil.
No fim, dá para dizer que o filme é meio descoordenado, com tom sombrio demais para ser infantil e um humor pueril demais para ser adulto. Mas ele acaba sendo ironicamente uma ótima definição de adolescente, preso no meio dessas duas ambições irreconciliáveis. Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem é, por métricas mais objetivas, um bom filme, mesmo que tenha potencial para ser particularmente indigesto para alguma parte do público. Sua sensibilidade não vai ressoar com todo mundo, mas acredito ser um daqueles casos em que os materiais e visual falam por si mesmos. Se eles o atraíram, vá checar.
Outras divagações:
The Mitchells vs the Machines
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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