Divagações: Asteroid City

Há quem diga que Wes Anderson tem perdido a mão, mas eu sinceramente discordo dessa afirmação: acredito que o cineasta tem sido cada vez ma...

Asteroid City
Há quem diga que Wes Anderson tem perdido a mão, mas eu sinceramente discordo dessa afirmação: acredito que o cineasta tem sido cada vez mais Wes Anderson, para o bem ou para o mal. Há quem diga que um ou outro filme foi o início de uma “guinada para baixo” e que, em cada obra subsequente, ele tem estado mais preocupado com estilo do que com a substância, ainda que esse ponto de referência varie de interlocutor para interlocutor.

Mas isso me parece uma falsa dicotomia, propagada pela constante inferência de que tudo que resta ao diretor é o seu domínio sobre a estética. Há virais no TikTok que, na tentativa de emular o que Anderson faz, acabam perdendo completamente o ponto. Afinal, a substância e a estilo são a mesma coisa para ele.

Digo isso porque Asteroid City chega aos cinemas brasileiros um mês depois da sua estreia lá fora. Com isso, sabemos que sua recepção com o grande público não foi fantástica, com acusações de que o diretor teria submergido ainda mais fundo em suas próprias ideias. Embora eu possa concordar que o filme – propositalmente, diga-se de passagem – é obtuso e desordenado, esta talvez seja a representação mais “pura” do corpo autoral de Anderson em muito tempo.

Com seu ritmo preciso e trabalho de câmera rígido, os filmes do cineasta já foram comparados com obras de teatro inúmeras vezes. E Asteroid City usa a noção do espaço teatral para emoldurar sua história, tornando-a um exemplo particularmente interessante.

Trata-se de um programa de televisão sobre uma peça fictícia que conta a história que estamos vendo. Com essa breve sinopse, já fica claro que Asteroid City tem a intenção de ser labiríntico, tornando difícil compreender exatamente qual é a razão para isso tudo; o que talvez seja justamente o ponto.

Na história principal acompanhamos Augie Steenbeck (Jason Schwartzman), um fotógrafo e pai enlutado que está levando seu filho Woodrow (Jake Ryan) para uma premiação científica na pitoresca cidade de Asteroid City, localizada no meio do deserto americano em plenos anos 1950. Porém, um incidente envolvendo um extraterrestre os coloca em uma situação de interação forçada, levando Augie a se relacionar com figuras como a atriz Midge Campbell (Scarlett Johansson), mãe de uma garota que também concorria à premiação.

Com um trabalho fenomenal de câmera e uma paleta de cores deliciosa, não é possível ver nenhuma piora nas sensibilidades estéticas de Anderson, sendo que o filme decididamente salta aos olhos. A trama talvez não chegue aos picos mais interessantes de The French Dispatch, com o qual a produção compartilha a ideia de uma narrativa mais fragmentada, mas tem seu próprio apelo.

Em especial, destaco os momentos em que vemos os personagens saltando para dentro e para fora dessas camadas narrativas. Eles se tornam os atores interpretando estes papéis, os diretores e escritores da peça. Desta forma, os elementos visuais referenciados na história reaparecem com outros propósitos, tudo para compor um panorama desnorteante sobre encontrar significado para a própria existência.

A ausência de grandes explicações e a maneira desconjuntada da trama, que é quebrada em pequenas vinhetas, pode espantar aqueles que buscavam uma história mais linear e palatável. Isso também faz com que o filme pareça tedioso se você não estiver ativamente interessando em se engajar com ele.

Mas se você estiver disposto, é uma produção interessante. Não se trata exatamente de uma comédia hilária ou de um drama pesado, mas há bons momentos que fazem você parar e pensar. Os personagens talvez sofram do maior problema de Anderson, que é a bidimensionalidade, com a maior parte deles tendo uma única característica marcante, mas nem isso incomoda, ainda mais considerando que os arquétipos fazem sentido dentro do contexto da peça.

De todo modo, dá para dizer que é um pouco de desperdício. Afinal, temos aqui um elenco extremamente competente e talentoso, mas com pouco espaço para se desenvolver, tanto pelo tempo enxuto da produção quanto pelo elevado número de personagens (ou pela própria fraqueza do roteiro).  Suponho que apenas Scarlett Johansson consegue entregar algo decididamente mais emocionalmente carregado, mas esta é uma daquelas situações que só reforça que Anderson talvez precisasse de uma ajuda no texto que vá além da sua parceria de longa data com Roman Coppola.

Asteroid City certamente parecerá mais interessante se você tem alguma simpatia pelo estilo do diretor ou se quer ver algo que execute bem essa noção quase surrealista proposta pela sobreposição de camadas da história. Mas, para aqueles que já torcem o nariz, nada vai adiantar; inclusive, talvez o filme até explicite o quanto Wes Anderson está autocentrado. No fim das contas é um filme para fãs.

Outras divagações:

The Royal Tenenbaums
The Life Aquatic with Steve Zissou
Fantastic Mr. Fox
Moonrise Kingdom
The Grand Budapest Hotel
Isle of Dogs
The French Dispatch

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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