Divagações: Cassandro

Logo nos primeiros momentos de Cassandro , você sabe para onde a história irá. Com certeza, as vidas das pessoas retratadas envolverão abuso...

Cassandro
Logo nos primeiros momentos de Cassandro, você sabe para onde a história irá. Com certeza, as vidas das pessoas retratadas envolverão abuso de drogas, traições, discriminações diversas, além de uma série de outras pequenas e grandes violências. O detalhe é que, embora isso possa até ser verdade – e até esteja presente no filme –, o enquadramento dado não é o óbvio. Esse é um filme sobre um menino com um sonho e um homem que realiza este objetivo a sua própria maneira.

Baseada em uma história real, a produção foi escrita e dirigida por Roger Ross Williams, que possui no currículo um documentário em curta-metragem sobre o lutador. Assim, eu me arrisco em dizer que esse é um projeto feito por um admirador que enxerga não apenas os fatos, mas os significados deles em um contexto mais amplo (ou seja, ele tem visão crítica, mas segue sendo um admirador).

Cassandro acompanha a ascensão de Saúl (Gael García Bernal) em sua carreira na lucha libre. Apaixonado pelo esporte desde pequeno, ele participa de torneios amadores sem muito sucesso, mas com grandes ambições. Sob a orientação de sua treinadora (Roberta Colindrez), ele busca seu próprio estilo e desenvolve um personagem “exótico”, um eufemismo usado para figuras efeminadas e destinadas a perder. Mas Saúl quer ganhar.

Em paralelo, seu dia a dia fora dos ringues é de sacrifícios. Criado pela mãe (Perla De La Rosa), ele tem uma relação muito próxima com ela, que se preocupa com a falta de discrição trazida pelo novo personagem, uma vez que Saúl é gay (algo que não era comum na lucha libre, mesmo entre os lutadores “exóticos”). Como se não bastasse, ele se envolve com um homem casado (Raúl Castillo). O detalhe é que, justamente quando a carreira de Saúl parece ter uma guinada, sua vida pessoal é abalada por coisas além de seu controle.

Com isso, Cassandro parece intercalar duas histórias distintas, mas que são centradas em um mesmo protagonista. Enquanto uma parece ser rodeada de vitórias e destinada a um choque de realidade, a outra se mantém com os pés firmes no chão, já destilando dramas. Dessa forma, nenhuma das duas tramas segue exatamente o caminho que se espera, ainda que o resultado não seja imprevisível.

O detalhe é que a produção paga um preço por esse pretenso equilíbrio. Ao não apostar nos exageros da lucha libre e de seu próprio protagonista, ela perde um pouco do fascínio e do brilho que são naturalmente vinculados a estes elementos. Se alguém esperava uma versão dramática de Nacho Libre ou da série Glow, Cassandro deve ter decepcionado. Sob muitos aspectos, essa é só mais uma cinebiografia.

Ao mesmo tempo, o filme também não mergulha de cabeça em seus dramas. Muitos elementos são colocados na tela e tratados apenas de forma superficial: o protagonista é gay em um ambiente de “machos”, é um usuário de drogas, é um “bastardo” que foi rejeitado pelo pai após se assumir como homossexual, é um estadunidense filho de uma imigrante e que busca por si mesmo do outro lado da fronteira, e é muitas outras coisas. A identidade de Saúl é traçada, mas sua relação com tudo isso fica totalmente a cargo da interpretação do espectador.

Em sua tentativa de aquecer corações, Cassandro não expõe seus personagens; é como se tentasse exibir e proteger ao mesmo tempo. Inclusive, as sequências finais deixam este objetivo bem claro. A participação do lutador El Hijo del Santo, que interpreta a si mesmo, traz um ar quase didático ao longa-metragem, mostrando como a figura criada por Saúl impactou seus admiradores e mudou seu esporte.

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