Divagações: Airplane!

Enquanto um bom drama de hoje conseguirá ser um bom drama daqui a 50 anos, uma boa comédia nem sempre consegue o mesmo efeito. Gostos e co...

Enquanto um bom drama de hoje conseguirá ser um bom drama daqui a 50 anos, uma boa comédia nem sempre consegue o mesmo efeito. Gostos e comportamentos tem uma influência muito marcada sobre o gênero – e Airplane! que o diga. Visto pelos olhos de um espectador dos dias atuais, o filme pode facilmente ser rotulado de racista, machista e homofóbico (isso para não mencionarmos as piadas com suicídio e pedofilia). Mas, por incrível que pareça, essa comédia lançada em 1980 continua fazendo as pessoas rirem.

Qual é o segredo? Para começar, todas as piadas potencialmente ofensivas não formam o cerne da produção, elas são apenas momentos bem aproveitados que exploram preconceitos. O filme é bem consciente de que é justamente isso o que esses momentos são: reduções estigmatizadas que não descrevem o todo, mas que, ao mesmo tempo, o resumem de uma forma facilmente reconhecível. Isso faz com que algo possa ser explorado humoristicamente em apenas alguns segundos e absolutamente esquecido na cena seguinte.

A propósito, essa fórmula usando esquetes, com momentos cômicos independentes, marcou o humor da época e continua sendo muito usada nos dias atuais, ainda que seja algo mais relacionado com a televisão do que com o cinema. Airplane! usa isso com uma boa dose de situações absurdas e diálogos propositalmente ruins, abusando de personagens clichês, repetições expositivas e uma trama que se segura por um fio.

A história, aliás, envolve um antigo piloto de guerra, Ted Striker (Robert Hays), que não conseguiu colocar a vida de volta nos trilhos desde que uma decisão sua errada provocou a morte de diversos companheiros. Mas quando sua namorada, a aeromoça Elaine Dickinson (Julie Hagerty), ameaça o abandonar, ele decide mudar o rumo das coisas e embarca no avião onde ela estará trabalhando. No entanto, a aeronave é afetada por um terrível caso de intoxicação alimentar e perde tanto o piloto (Peter Graves) quanto o co-piloto (Kareem Abdul-Jabbar) e o navegador (Frank Ashmore). Com o apoio de um médico que está a bordo (Leslie Nielsen), Ted passa a ser a única esperança para que o avião pouse com segurança, mas, para isso, ele precisará lidar com suas diferenças com um antigo conhecido, o capitão Rex Kramer (Robert Stack), que está mandando instruções por rádio.

O detalhe é que, embora essa sinopse seja perfeitamente adequada para uma comédia abobalhada, ela é derivada de um filme sério, Zero Hour!, o qual também deu origem a diversos diálogos de Airplane! (que foram reproduzidos ipsis litteris). Ou seja, se você achava que o trio de diretores e roteiristas – Jim Abrahams, David Zucker e Jerry Zucker – é particularmente brilhante, talvez seja importante redirecionar essa admiração. Mais do que pensar em boas piadas, eles conseguiram ver a graça em algo que não foi feito para ser humorístico. E, é claro, deram um toque especial a partir desse ponto.

Mais do que ser um remake de Zero Hour!, Airplane! faz diversas referência a filmes que envolve desastres (ou quase desastres) de aviões, incluindo na escolha de seu elenco. As piadas, dessa forma, funcionam em diversas camadas – na mais rasa, você ri dos absurdos e dos diálogos sem noção; na mais profunda, é possível achar graça das referências dos atores a seus trabalhos anteriores ou a filmes famosos da época. Infelizmente, essa segunda dimensão se perdeu consideravelmente com o tempo, uma vez que Airplane! sobreviveu aos filmes que pretendia satirizar.

De um modo meio absurdo, esse filme fez escola e moldou o cinema que conhecemos hoje em dia. Nos anos seguintes, ao lançamento de Airplane! ficaram claras as influências, principalmente na forma como o humor é feito, trazendo uma comicidade absolutamente descompromissada e totalmente descolada da realidade. É um humor que parece burro, mas que, na verdade, precisa de um grande número de referências e de um ritmo frenético para ser efetivo. Não é fácil soltar piada atrás de piada. E isso se torna ainda desafiador quando a fórmula só funciona se (praticamente) todas elas fizerem você rir. O fato de Airplane! funcionar tantos anos após seu lançamento apenas atesta sua qualidade.

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