Divagações: Ready Player One
29.3.18
A superexploração da nostalgia e a constante necessidade de referenciar cultura pop apenas com o propósito de extrair do público aqueles grunhidos de reconhecimento se tornaram algo quase insuportável nos últimos anos. De repente, todo mundo passou a gostar de coisas que até pouco tempo atrás eram monopolizadas por um séquito muito pequeno de fãs passionais e aparentemente todos querem uma fatia dessa torta. Ainda assim, em 2011, Ready Player One, de Ernest Cline, mesmo com todos os seus problemas, soava como uma homenagem extremamente apaixonada e – o mais importante – absolutamente genuína à década de 1980 e a toda a cultura pop produzida por ela, servindo como uma carta de amor do seu autor àquilo que o havia formado como artista.
Quando rumores de uma adaptação cinematográfica dirigida por ninguém menos que Steven Spielberg começaram a aparecer por aí, um misto de expectativa e preocupação foi surgindo. Eu, particularmente, achava que seria impossível traduzir bem aquele universo tão estilizado, vibrante e absolutamente caótico para as telas do cinema. Mas, ao mesmo tempo, talvez Spielberg estivesse a altura da tarefa, afinal de contas, foi ele o responsável por muitas das coisas que fizeram parte integral da cultura pop dos anos 1980. Assim, seria bom rever esse lado mais brincalhão e divertido do diretor depois de uma sequência de dramas mais densos.
Na versão cinematográfica, o cerne de Ready Player One permanece inalterado. O ano é 2045 e todas as previsões distópicas se realizaram: a pobreza e a desigualdade cresceram e os Estados Unidos são mais ou menos dominados por novos mestres corporativos. Nesse contexto, acompanhamos Wade Watts (Tye Sheridan), um rapaz que cresceu em uma espécie de gueto futurista em Columbus, Ohio, e que tal como boa parte de sua geração é obcecada pelo jogo/plataforma de realidade virtual Oasis, que substituiu boa parte da vida em sociedade e talvez seja o negócio mais lucrativo do planeta.
Não é à toa que o mundo todo entra em um frenesi depois da morte de James Halliday (Mark Rylance), o excêntrico criador do Oasis que deixou para trás uma elaborada competição para decidir quem herdaria sua fortuna e o controle da plataforma. Isso leva pessoas como o ambicioso empresário Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), dono da IOI, a segunda maior companhia do mundo, a montarem exércitos de jogadores atrás do cobiçado prêmio. Consequentemente, gente como Wade, seu amigo Aech (Lena Waithe) e a misteriosa Art3mis (Olivia Cooke) entram na briga para manter o Oasis livre.
Em primeiro lugar, tenho que admitir que estava completamente errado sobre a capacidade de traduzir a riqueza visual do Oasis nos cinemas e passei a considerar Ready Player One como um dos filmes mais visualmente inventivos e interessantes nos últimos anos. Ainda que engasgue por conta de algumas questões de direitos autorais e na falta de coesão visual evitada pelo livro (ao contrário da sua contraparte literária, aqui nem todo mundo é obcecado pela moda e cultura dos anos 1980), o fato é que Ready Player One consegue mostrar um mundo efervescente onde todos podem ser quem eles querem ser. O filme é repleto de detalhes minuciosamente construídos e possui uma riqueza visual ímpar, mostrando que – mais do que qualquer coisa – a equipe de efeitos visuais deve ter se divertido muito durante a produção, colocando dezenas (se não centenas) de pequenas referências, personagens e elementos interessantes ao longo da produção.
Isso torna Ready Player One um dos poucos filmes que realmente têm a experiência melhorada por conta de uma tela IMAX e um bom 3D, dando o senso de amplitude e de escala à aventura, ainda mais porque boa parte dos ambientes são digitalmente construídos e podem usar o potencial completo do meio. Falando em ambientes, ainda que eles não sejam tão variados, os cenários mostrados no filme são bem interessantes e trabalhados, passando de discotecas em gravidade zero a toda uma sequência que recria cenas de The Shining.
Obviamente, a história é bem básica – uma consequência da estrutura narrativa da própria competição proposta por Halliday, que imita a linearidade de um jogo de videogame antigo. Infelizmente, isso não é desculpa para o pífio desenvolvimento de personagens, que fazem as coisas “porque sim”. Não que isso seja exatamente inesperado, levando em conta que transformaram um livro relativamente extenso em um filme com pouco mais de duas horas. Ainda assim, sinto que, decididamente, os personagens são o elo mais fraco e o elenco sem tanto carisma não colabora muito com o resultado.
Nesse mesmo assunto, para quem leu o livro, mudanças substanciais foram feitas para tornar as coisas mais cinematográficas, incluindo mudar completamente os desafios que os personagens enfrentam. Como consequência, as coisas passam a ser bem mais focadas em quem Halliday foi em sua vida do que nas coisas que ele gostava. Por um lado, isso ajuda a tornar o trilionário uma figura bem mais interessante, mas, por outro, retira diretamente coisas que eu apreciava sobre ele e sua construção de mundo. A mensagem final é um pouco alterada nesse processo todo e o que sobra é uma trama que tem um tom e um propósito bem diferentes do original, mas que funciona do seu próprio modo.
Ready Player One é, certamente, uma aventura bem divertida e que tem tudo para agradar quem já curtia a proposta da obra original, que é ser um tributo à cultura pop e a tudo o que ela representa. A ação é legal e os visuais são interessantes e inventivos, assim, nem mesmo o roteiro um pouco fraco tira os méritos de um filme que é a definição de uma matinê do século XXI – com direito a pipoca, refrigerante e uma tarde no cinema, tal qual os clássicos de aventura spielbergianos. Por mais que não seja baseado em um jogo, Ready Player One talvez seja a melhor obra que melhor adapte a estética e o sentimento de um videogame até hoje, tanto nas coisas boas e ruins, mostrando que dá pra associar o tema com qualidade e carinho.
Outras divagações:
Jaws
The Terminal
The Adventures of Tintin
Lincoln
The Post
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Quando rumores de uma adaptação cinematográfica dirigida por ninguém menos que Steven Spielberg começaram a aparecer por aí, um misto de expectativa e preocupação foi surgindo. Eu, particularmente, achava que seria impossível traduzir bem aquele universo tão estilizado, vibrante e absolutamente caótico para as telas do cinema. Mas, ao mesmo tempo, talvez Spielberg estivesse a altura da tarefa, afinal de contas, foi ele o responsável por muitas das coisas que fizeram parte integral da cultura pop dos anos 1980. Assim, seria bom rever esse lado mais brincalhão e divertido do diretor depois de uma sequência de dramas mais densos.
Na versão cinematográfica, o cerne de Ready Player One permanece inalterado. O ano é 2045 e todas as previsões distópicas se realizaram: a pobreza e a desigualdade cresceram e os Estados Unidos são mais ou menos dominados por novos mestres corporativos. Nesse contexto, acompanhamos Wade Watts (Tye Sheridan), um rapaz que cresceu em uma espécie de gueto futurista em Columbus, Ohio, e que tal como boa parte de sua geração é obcecada pelo jogo/plataforma de realidade virtual Oasis, que substituiu boa parte da vida em sociedade e talvez seja o negócio mais lucrativo do planeta.
Não é à toa que o mundo todo entra em um frenesi depois da morte de James Halliday (Mark Rylance), o excêntrico criador do Oasis que deixou para trás uma elaborada competição para decidir quem herdaria sua fortuna e o controle da plataforma. Isso leva pessoas como o ambicioso empresário Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), dono da IOI, a segunda maior companhia do mundo, a montarem exércitos de jogadores atrás do cobiçado prêmio. Consequentemente, gente como Wade, seu amigo Aech (Lena Waithe) e a misteriosa Art3mis (Olivia Cooke) entram na briga para manter o Oasis livre.
Em primeiro lugar, tenho que admitir que estava completamente errado sobre a capacidade de traduzir a riqueza visual do Oasis nos cinemas e passei a considerar Ready Player One como um dos filmes mais visualmente inventivos e interessantes nos últimos anos. Ainda que engasgue por conta de algumas questões de direitos autorais e na falta de coesão visual evitada pelo livro (ao contrário da sua contraparte literária, aqui nem todo mundo é obcecado pela moda e cultura dos anos 1980), o fato é que Ready Player One consegue mostrar um mundo efervescente onde todos podem ser quem eles querem ser. O filme é repleto de detalhes minuciosamente construídos e possui uma riqueza visual ímpar, mostrando que – mais do que qualquer coisa – a equipe de efeitos visuais deve ter se divertido muito durante a produção, colocando dezenas (se não centenas) de pequenas referências, personagens e elementos interessantes ao longo da produção.
Isso torna Ready Player One um dos poucos filmes que realmente têm a experiência melhorada por conta de uma tela IMAX e um bom 3D, dando o senso de amplitude e de escala à aventura, ainda mais porque boa parte dos ambientes são digitalmente construídos e podem usar o potencial completo do meio. Falando em ambientes, ainda que eles não sejam tão variados, os cenários mostrados no filme são bem interessantes e trabalhados, passando de discotecas em gravidade zero a toda uma sequência que recria cenas de The Shining.
Obviamente, a história é bem básica – uma consequência da estrutura narrativa da própria competição proposta por Halliday, que imita a linearidade de um jogo de videogame antigo. Infelizmente, isso não é desculpa para o pífio desenvolvimento de personagens, que fazem as coisas “porque sim”. Não que isso seja exatamente inesperado, levando em conta que transformaram um livro relativamente extenso em um filme com pouco mais de duas horas. Ainda assim, sinto que, decididamente, os personagens são o elo mais fraco e o elenco sem tanto carisma não colabora muito com o resultado.
Nesse mesmo assunto, para quem leu o livro, mudanças substanciais foram feitas para tornar as coisas mais cinematográficas, incluindo mudar completamente os desafios que os personagens enfrentam. Como consequência, as coisas passam a ser bem mais focadas em quem Halliday foi em sua vida do que nas coisas que ele gostava. Por um lado, isso ajuda a tornar o trilionário uma figura bem mais interessante, mas, por outro, retira diretamente coisas que eu apreciava sobre ele e sua construção de mundo. A mensagem final é um pouco alterada nesse processo todo e o que sobra é uma trama que tem um tom e um propósito bem diferentes do original, mas que funciona do seu próprio modo.
Ready Player One é, certamente, uma aventura bem divertida e que tem tudo para agradar quem já curtia a proposta da obra original, que é ser um tributo à cultura pop e a tudo o que ela representa. A ação é legal e os visuais são interessantes e inventivos, assim, nem mesmo o roteiro um pouco fraco tira os méritos de um filme que é a definição de uma matinê do século XXI – com direito a pipoca, refrigerante e uma tarde no cinema, tal qual os clássicos de aventura spielbergianos. Por mais que não seja baseado em um jogo, Ready Player One talvez seja a melhor obra que melhor adapte a estética e o sentimento de um videogame até hoje, tanto nas coisas boas e ruins, mostrando que dá pra associar o tema com qualidade e carinho.
Outras divagações:
Jaws
The Terminal
The Adventures of Tintin
Lincoln
The Post
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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