Divagações: Kaguyahime no monogatari
12.2.15
Baseado em um conto folclórico japonês, considerado o mais antigo texto de prosa narrativa do país, Kaguyahime no monogatari é um filme que não apenas respeita suas origens, mas as reverencia. O estilo de animação tradicional pode parecer estranho e até mal acabado em um primeiro momento, mas esse não é o caso. O traço, a técnica, a trilha sonora, tudo está repleto de detalhes e de delicadeza, tornando esse filme absolutamente precioso.
Também se trata de uma obra do mais adorado – aqui no ocidente, pelo menos – estúdio de cinema japonês, o Studio Ghibli. Com o anúncio definitivo da aposentadoria de seu mais conhecido diretor, Hayao Miyazaki, a empresa sofreu um baque considerável e já anunciou que terá uma pausa na produção cinematográfica. Uma pena. Com um orçamento estimado em cinco bilhões de ienes, Kaguyahime no monogatari rendeu apenas metade desse valor, o que torna a medida compreensível.
A história acompanha a vida de Kaguya-hime (Aki Asakura), desde o momento em que é encontrada dentro de uma flor por um cortador de bambu (Takeo Chii). Ela cria uma relação de mãe e filha com a esposa do cortador (Nobuko Miyamoto), faz amizade com os jovens do local, especialmente Sutemaru (Kengo Kôra), e parte para receber educação na capital do país. Essa mudança da vida alegre e solta do campo para as regras rígidas esperadas por uma dama na cidade acabam tornando a moça triste, além de atrair pretendentes indesejados.
Essa valorização da vida no campo parece uma temática bucólica, mas, ao ser acompanhada pela crítica do papel da mulher na sociedade (ainda que não na sociedade moderna), torna-se extremamente adequada para o público atual. Mesmo aqueles que não conhecem a cultura japonesa e a história do país não devem ter dificuldade em entender a trama e as implicações de cada atitude da protagonista. Aliás, suponho que não deve ser difícil simpatizar com ela, já que ninguém quer pintar seus dentes de preto atualmente – só é preciso atentar para outros padrões de beleza, talvez até mais agressivos, que ainda oprimem homens e mulheres.
Por sua vez, aqueles que conhecem um pouco mais da cultura devem se deliciar com a imensa atenção aos detalhes. O experiente diretor e roteirista Isao Takahata trabalhou nesse filme por muitos anos (o anúncio foi feito em 2008, mas dizem que o projeto existia desde 2005) e trouxe um retrato minucioso do período e dos costumes. Desde as regras estabelecidas às moças, como nunca poder ser olhada por um homem, até objetos típicos tudo está presente e é respeitado. Destaco aqui o rolo de papel desenhado que é considerado um precursor das animações e está presente de uma forma sutil e muito bonita.
Com 137 minutos, esse é o mais longo filme do Studio Ghibli até o momento. Ele é longo e, embora não tenha um ritmo enfadonho, também não é dotado da agilidade dos filmes infantis atuais. Para uma criança pequena, Kaguyahime no monogatari será uma animação bonita, mas quase que totalmente incompreensível. Os maiores devem lidar melhor com a produção e imagino que as meninas se interessem mais pela temática, mas não dá para negar que apenas os adultos poderão absorver melhor tudo o que a produção tem a oferecer.
Premiado internacionalmente e adorado pelos críticos, o filme é de uma beleza única. Kaguyahime no monogatari é uma obra rara e é triste pensar que dificilmente voltaremos a ver algo assim. Ao mesmo tempo, é um suspiro em prol da animação tradicional e da valorização do trabalho dos artistas. Assistam, recomendem, espalhem a ideia de que vocês gostariam de ver mais filmes assim.
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