Divagações: Being the Ricardos

Uma das series mais amadas na história da televisão mundial, I Love Lucy também gera muita curiosidade em relação a seus bastidores – mesmo ...

Being the Ricardos

Uma das series mais amadas na história da televisão mundial, I Love Lucy também gera muita curiosidade em relação a seus bastidores – mesmo 60 anos depois. Com a pretensão de contar os acontecimentos de uma única semana, Being the Ricardos optou por um momento particularmente tenso e, sem muito compromisso com a verdade absoluta, juntou várias situações com o objetivo de deixar todos os seus personagens com os nervos à flor da pele.

Em plenos anos 1950, Lucille Ball (Nicole Kidman) era uma das estrelas mais amadas da televisão norte-americana. Depois de viver altos e baixos no cinema, ela encontrou alguma estabilidade atuando ao lado do marido, o cubano Desi Arnaz (Javier Bardem), e de colegas que passam o dia inteiro se espezinhando, Vivian Vance (Nina Arianda) e William Frawley (J.K. Simmons), além de ter bastante autonomia para trabalhar com o produtor Jess Oppenheimer (Tony Hale) e a roteirista Madelyn Pugh (Alia Shawkat). Ainda assim, ela era uma perfeccionista extremamente questionadora e o dia a dia não era fácil.

Eis que entram em cena três situações que podem colocar tudo isso a perder. Para começar, uma revista de fofoca detalha uma noite de traição de Desi. Em seguida, um programa de rádio acusa Lucille de ser comunista (o que é algo muitíssimo “antiamericano” nos anos 1950). E, para completar, ela está grávida (e a conservadora televisão do período não pode sequer insinuar que pessoas casadas façam sexo). Enquanto as consequências de cada uma dessas revelações se desdobram, um novo episódio começa a ser ensaiado – resta saber se, ao final da semana, ele realmente poderá ser gravado e/ou exibido.

Tudo isso é alternado com os dramas dos coadjuvantes, em especial Vivian – que está em crise com sua imagem, com sua personagem e com sua saúde – e Madelyn, que precisa tornar o programa engraçado, equilibrar suas lealdades e manter sua posição firme. E, ainda por cima, há flashbacks ajudando a construir os personagens principais e falsos depoimentos vindos dos personagens nos tempos atuais. Ou seja, embora a história principal de Being the Ricardos se passe em uma semana, há um universo de coisas acontecendo.

Obviamente, essa agitação é algo esperado quando temos um filme escrito e dirigido por Aaron Sorkin. A questão é que, dessa vez, ele realmente deu um passo maior que as pernas. Em muitos momentos, a narrativa fica confusa e elementos não previamente estabelecidos simplesmente surgem (por exemplo, eu demorei a entender que o casal principal já tinha uma filha e que certas cenas não eram “do futuro”). Além disso, embora eu não tenha nada contra alterar um pouco a ordem dos fatos para ajudar a narrativa (isso não é um documentário, afinal de contas), os fãs da série podem reclamar da falta de capricho e de compromisso nesse sentido; detalhes em relação a terminologias da televisão dos anos 1950 também ficaram falhos, o que atrapalha caso você tenha conhecimento suficiente para perceber.

O que salva a produção é o elenco. Nicole Kidman não se apega à noção de ser a Lucille Ball mais perfeita de todos os tempos, mas entrega sua versão de uma mulher meticulosa, durona e perceptiva, que encara tanto a comédia quanto seu casamento com a mesma seriedade – e você, de alguma forma, acredita que ela consegue se tornar magicamente engraçada às sextas-feiras. Javier Bardem, por sua vez, entrega uma das figuras mais carismáticas e encantadoras do longa-metragem, funcionando como uma “cola” entre todas as figuras que vemos na tela. E J.K. Simmons consegue trazer sutilezas suficientes para intercalar de maneira crível entre um velho turrão e um amigo sensível. Isso para citar só os três que estão concorrendo ao Oscar.

Being the Ricardos pode não ser uma obra-prima, mas é um exercício sobre o caos e o retrato de uma péssima semana de trabalho, daquelas onde todos podem ser demitidos a qualquer momento – quem já viveu, sabe como é: o desespero para “mostrar serviço” e a vontade de desistir andam lado a lado. De repente, as coisas se resolvem (para melhor ou para pior), mas esse desenrolar é agoniante. 

Outras divagações:
Molly's Game
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