Divagações: A Real Pain

A Real Pain
Ainda que a estreia de Jesse Eisenberg no roteiro e na direção (When You Finish Saving the World) não tenha sido particularmente bem recebida, A Real Pain mostra que ele está cada vez mais confortável atrás das câmeras. Por mais que o filme beba um pouco demais do naturalismo e do ritmo de Richard Linklater, ele demonstra que o ator é um cineasta ao menos competente e que talvez vejamos bons projetos vindos dele no futuro.

Estrelado pelo próprio Eisenberg, A Real Pain acompanha a viagem de dois primos judeus – David (Eisenberg) e Benji Kaplan (Kieran Culkin) – para a Polônia. Eles vão à terra natal de sua família para homenagear e, de certa forma, lidar com o luto pela morte da sua avó, enquanto também tentam entender e ressignificar a presença na vida um do outro.

Com um ritmo lento e sem grandes conflitos, o longa-metragem tenta abrir uma pequena janela para a vida interior destas pessoas; assim, o filme não necessariamente chega a algum lugar ou mesmo retrata uma mudança transformativa nos personagens. Isso é feito de modo sensível, mas a brevidade das interações e o fato de que a produção realmente não se propõe a ser catártica podem deixar a impressão de que falta um pouco de substância.

Eu não vejo as coisas dessa forma, ainda que acredite que A Real Pain às vezes “tenta demais” ter algo a dizer. Mas as boas performances sustentam a produção: por mais que Eisenberg não fuja da sua tradicional interpretação de “trabalhador levemente neurótico”, Culkin basicamente segura o filme nas costas. Ele entrega uma interpretação cheia de nuances e que o vende bem como um sujeito charmoso e sociável, mas absolutamente atormentado pelos próprios fantasmas.

Ainda que alguns acusem Culkin de reprisar parte do seu papel em Succession, acredito que isso não é lá um grande problema; o personagem (e a dinâmica entre a dupla principal) funciona bem e torna o filme coeso. Ao mesmo tempo, também vejo como as atitudes de Benji possam ser vistas por alguns como irritantes, o pode não agradar algumas pessoas.

Isso é importante, afinal, A Real Pain depende de seus personagens principais. Os coadjuvantes estão lá, mas são praticamente bidimensionais e representam a parte mais fraca tanto da produção, servindo mais para enfatizar a maneira que o filme direciona a percepção sobre os protagonistas.

Assim, por mais que alguns deles sejam instigantes e talvez merecessem um pouco mais de destaque, a narrativa um pouco brusca e anticlimática do filme amarra sua história impede que isso aconteça. Destaco aqui Eloge (Kurt Egyiawan), um judeu convertido que sobreviveu ao genocídio em Ruanda e que, agora, expressa pouco mais do que uma serenidade quase sobrenatural.

Com isso, posso dizer que A Real Pain é um filme bastante simpático e que claramente almeja ser algo mais complexo e profundo do que acaba sendo, especialmente com toda a discussão sobre a identidade judaica em diáspora e os paralelos com o holocausto. Mas não acho que essas falhas o impeçam de ser um filme tenro e que apresenta bem seus temas centrais.

A maneira com que o filme termina – sem que tenhamos visto uma mudança na vida dos protagonistas – talvez espelhe a dificuldade que temos em dar esses mesmos passos. Por mais que desejemos que o cinema seja capaz de reafirmar a vida e o compromisso de tornar as coisas melhores, uma dose de sobriedade como essa, sem as armadilhas do excesso de cinismo e misantropia, às vezes é bastante refrescante.

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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