Divagações: Babygirl

Babygirl
A sensação de ver Babygirl em um cinema quase lotado é de estranhamento. Como o filme tem muitas sequências sexualmente carregadas, ter uma experiência como essa em um ambiente público soa um tanto quanto... errado (ao menos para mim, mas não julgo quem gosta). Ao mesmo tempo, tudo o que eu queria fazer quando terminou a sessão era conversar sobre aquilo que eu havia acabado de presenciar (ou seja, realmente não posso julgar).

Romy (Nicole Kidman) é uma importante executiva em uma grande empresa de tecnologia. Mas não só isso: ela é a principal executiva – a CEO –, o que a torna uma exceção em um mundo muito masculino e adiciona pressões e responsabilidades a um trabalho já exaustivo. Para se manter em seu lugar, ela mantém um exterior durão, mas está sempre disposta a lidar com o que surge em seu caminho.

Além disso, sempre a seu lado, está a empolgada Esme (Sophie Wilde), uma jovem que quer crescer na carreira e está cheia de ideias para o futuro. E, para completar, Romy é uma mãe e uma esposa presente, em constante contato com seu carinhoso marido Jacob (Antonio Banderas) e suas filhas adolescentes Isabel (Esther McGregor) e Nora (Vaughan Reilly).

Tudo na vida de Romy, entretanto, parece ter sido construído com um equilíbrio tênue. O trabalho exige atenção demasiada. A relação com as filhas é próxima, mas conflituosa. A intimidade não satisfaz e a leva a buscar prazer de outras formas. Eis que surge um estagiário que parece enxergar o que Romy não quer mostrar, Samuel (Harris Dickinson).

Assim, Babygirl é sobre um relacionamento confuso entre dois adultos que estão construindo uma dinâmica própria e lidando com um claro desbalanço de poder. Há idas e vindas, relutâncias e desentendimentos, mas também há consentimento e a clara noção de que eles estão “brincando” com coisas perigosas.

Mas o filme também é sobre ter uma vida sufocante e os sacrifícios feitos pelo caminho, ainda mais pela “condição de mulher”. Não à toa, é comum a comparação com a peça Uma Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen, uma vez que há temáticas similares e até mesmo nomes de personagens. Sinceramente, acredito que isso não seja uma coincidência, uma vez que a diretora e roteirista Halina Reijn tem um histórico com o dramaturgo – em uma sequência, aliás, os personagens discutem Hedda Gabler, peça que já foi encenada pela cineasta.

A questão é que, longe de ser uma montagem teatral de época, Babygirl é um suspense tenso, com uma trilha sonora pesada, onde as atitudes dos personagens não são exatamente compreensíveis (afinal, a gente pode aceitar e não julgar a fantasia alheia, mas entender é outra coisa). Assim, o que permite um mergulho maior é justamente a atuação de Nicole Kidman, que deixa a produção com um aspecto quase confessional, como se você estivesse entrando nas obscuridades da mente da protagonista.

Nesse ponto, talvez seja interessante acrescentar que, embora o filme tenha muitas cenas que retratam relações sexuais, há pouca nudez. Além de não explorar os atores e não buscar se vender pela exposição de seus corpos, o recurso funciona bem. É como nas produções de terror, em que a tensão é maior quando o monstro não é visível. Para o espectador, a insinuação pode ser mais carregada sexualmente que o próprio sexo.

Assim, Babygirl parece ser um longa-metragem cru, à flor da pele, mas ele é deliciosa e friamente calculado para poder passar as mensagens que deseja transmitir, seja sobre a liberdade sexual de uma mulher, sobre jogos de poder, sobre o equilíbrio entre trabalho, família e desejo. E, quando ele se contradiz ou parece se perder, ele se torna ainda mais interessante.

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