Divagações: Black Box Diaries

Black Box Diaries
Não vou mentir: Black Box Diaries é um filme muito difícil de assistir. Em meio a injustiças, burocracias, machismos e verdadeiros absurdos, é doloroso ver a jornada da diretora, roteirista e personagem principal desta história rumo a algo que nunca fica muito claro. Afinal, ela não está exatamente curando as próprias feridas.

Em resumo, este documentário acompanha a luta de Shiori Itô por algum tipo de reconhecimento de que ela é uma vítima e de que seu estuprador não sairá totalmente impune. Ela sabe que o caminho é difícil e que ela talvez não alcance seu objetivo, mas supõe que seus esforços podem ajudar a mudar alguma coisa em seu país.

Veja bem: Black Box Diaries se passa no Japão. Apesar de ser uma nação de “primeiro mundo”, este também é um local com valores tradicionais “conservadores”, burocracias complexas e onde a vergonha frequentemente passa por cima dos direitos das mulheres. Ao falar sobre ter sido estuprada e mostrar seu rosto, Shiori Itô pode estar destruindo suas chances de ter um casamento feliz no futuro, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo, ela admite que não conseguiria ser feliz – casada ou não – se não fizer algo em relação ao que aconteceu.

O caso retratado é particularmente complexo porque ele também é um escândalo político. O estuprador em questão é um importante jornalista, que também era amigo íntimo do falecido primeiro-ministro Shinzo Abe (a ponto de ter escrito a biografia do político quando ele ainda era vivo e de ter sido o primeiro a noticiar sua morte). E Shiori Itô acredita que essa proximidade com pessoas importantes pode ter afetado as investigações.

A princípio, Black Box Diaries começa a partir da vontade da diretora de expor que há algo turvo nas ações da polícia, tanto por conta de uma legislação falha quanto devido a influências externas. Mas o filme vai além disso, mostrando a decisão da vítima de escrever um livro sobre isso e de buscar saídas judiciais para ser ouvida. Quando o pesadelo começa, ela tem 25 anos; ao final das filmagens, ela tem 33 e ainda enfrenta seus traumas.

Para completar, há outras camadas. Em sua busca por trazer a verdade à tona, Shiori Itô se deixa tomar por seu lado jornalista – mas, eventualmente, a mulher precisa respirar. Isso sem contar que a batalha judicial e as investigações paralelas não impedem que ela tenha contato constante com insinuações diversas (de que ela é uma prostituta, de que poderia ter evitado o que aconteceu se realmente quisesse, de que está arruinando a carreira de um homem para ganhar dinheiro e por aí vai).

Esse escrutínio é tão forte que Black Box Diaries é formado por uma gama de materiais absolutamente diversa. Não se trata apenas da palavra de uma jovem contra um profissional reconhecido e bem estabelecido. Há imagens de câmeras de segurança, há áudios gravados (alguns em segredo), há entrevistas com testemunhas, há relatos por escrito. Em vez de ver seu estuprador tentar provar inocência, é Shiori Itô quem precisa convencer de que está falando a verdade.

Obviamente, ela paga um preço por reviver o trauma repetidamente e por se apegar a uma busca por justiça com todas as suas forças. A moça sorridente do começo do filme, que sai para jantar com os amigos, vai desaparecendo aos poucos. Porém, fica claro que não havia uma opção de caminho sem sofrimento.

Black Box Diaries é um filme que causa indignação e que demonstra que ainda há um longo percurso a ser percorrido. Uma sobrevivente que reúne coragem para reunir provas contra seu estuprador é uma heroína, mas o que muitos veem ainda é uma mulher perdida.

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