Quando gosto muito de um filme, eu prefiro esperar alguns dias antes de escrever sobre ele para ver o que fica após a sensação de “deslumbramento” passar. Assim que saí da sala de cinema depois de Homem com H (cantarolando, diga-se da passagem), eu sabia que iria precisar de um bom tempo dessa vez.
Obviamente, eu sei que tenho um ponto de partida enviesado, já que cresci em uma casa onde álbuns de Ney Matogrosso e Cazuza estavam frequentemente tocando no aparelho de som. Inclusive, tenho orgulho em dizer que conheço todas as músicas que aparecem neste filme – e tenho um pouco de vergonha de confessar que quase comecei a cantar junto, esquecida de que estava em público (e que não canto bem).
Homem com H resume a trajetória de Ney (Jesuíta Barbosa), desde uma infância rodeada de pressões e preconceitos vindos de um pai autoritário (Rômulo Braga) até seus momentos mais maduros como artista. Isso dá direito a uma passagem pela aeronáutica – com uma amizade interessante (Augusto Trainotti) –, ao início e ao fim da banda Secos & Molhados, a diversos momentos de altos e baixos e a muitos e muitos romances, incluindo com Cazuza (Jullio Reis) e Marco de Maria (Bruno Montaleone).
Ao longo desse percurso, vemos um artista em formação e que não deseja comprometer sua essência. Também há uma pessoa com uma sexualidade livre, mas que se vê em um contexto absolutamente assustador com o início da epidemia de Aids. O resultado é um amadurecimento com base em dor, mas sem ressentimento.
Aliás, as características únicas do protagonista fazem com que, embora Homem com H seja uma cinebiografia bastante convencional em essência, a produção escrita e dirigida por Esmir Filho consegue fugir de vários clichês do gênero (mas, infelizmente, não de todos). O uso de drogas, por exemplo, está presente; os excessos e as excentricidades que o dinheiro permite, também. Mas essas coisas são apenas um pano de fundo para algo diferente e não ditam o rumo da história.
Mas, para isso ser crível, uma responsabilidade crucial recai sobre Jesuíta Barbosa. É ele quem precisa convencer o público de que uma pessoa como Ney Matogrosso é real e respira, sendo simultaneamente a criatura fantástica que brilha em cima de um palco, o filho carinhoso de Beíta (Hermila Guedes), o amante incansável, o cara simples que gosta de ver o mar, e alguém capaz de enfrentar os sensores da ditadura absolutamente nu. Isso sem dizer que se trata de uma pessoa facilmente reconhecível, repleta de trejeitos difíceis de replicar e que possui uma voz única.
Homem com H, obviamente, resume uma história muito longa em apenas duas horas, reservando um bom espaço para diversas músicas. Com isso, entendo que o objetivo do filme é trazer um pouco da essência de um ser humano fantástico – e acho que ele faz isso muito bem. No processo, suponho que muitos momentos “questionáveis”, desavenças, defeitos e fracassos tenham ficado de fora, mas também não é como se eles tivessem sido totalmente excluídos; o que está presente, está devidamente justificado pelo contexto e pela personalidade.
Ou seja, talvez eu ainda não tenha conseguido superar meu deslumbramento. Sem dúvidas, Homem com H é um filme que encanta e que eu veria de novo, basta alguém me convidar! Sinto que o mérito é muito mais do retratado e do ator do que da narrativa, mas não nego que se trata de uma produção caprichada.
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