Um dos maiores méritos dos filmes de John Wick é conseguir pintar um universo interessante sem precisar apelar para um excesso de exposição, dando aquela impressão de que o mundo é muito mais extenso e complexo do que ele realmente é.
Por um lado, isso abre margem para que outras obras explorem essa mitologia; por outro, cada nova peça colocada na história reduz o espaço anteriormente ocupado pela imaginação. Como as coisas raramente são tão legais quanto eram na sua cabeça, não tenho medo de dizer que o universo de John Wick nunca foi tão instigante quanto no primeiro filme.
Os spinoffs – primeiro com a série de televisão do Continental e, agora, com Ballerina – sofrem do mesmo problema. Em vez de expandirem o mundo apresentado, eles o diminuem, tornando concreto o que era só uma abstração, ignorando regras anteriormente estabelecidas e, com isso, matando outras possibilidades. Enquanto os capítulos mais recentes de John Wick compensam estas perdas com escopo, reverência e espetáculo, Ballerina soa como uma versão menor do original.
Passado em algum ponto entre o terceiro e quarto filme, esta produção acompanha Eve (Ana de Armas), a filha de um assassino morto por seu clã por tentar escapar da vida no submundo e que jura vingança contra o misterioso Chanceler (Gabriel Byrne), o líder desse clã. Acolhida e treinada pela Ruska Roma – incidentalmente, a família de John Wick (Keanu Reeves) –, Eve finalmente tem a oportunidade de ir atrás do assassino do seu pai depois de adulta, ainda que isso a coloque em risco no delicado balanço de facções do submundo do crime.
Com seu poster cheio de cabeças flutuantes de figurinhas carimbadas da série, Ballerina realmente parece ser um “filme de franquia” acima de qualquer coisa. Muitas das aparições, aliás, não passam de pontas e algumas foram claramente filmadas durante a produção de John Wick: Chapter 4, incluindo um dos últimos trabalhos de Lance Reddick.
Além disso, muitos dos personagens originais do filme são relativamente inconsequentes para a trama. Norman Reedus, que parecia ter um papel extenso, deve estar em cena por menos de dez minutos. Mesmo o retorno de John Wick é meio esquisito e parece fazer pouco sentido no contexto maior da série e de sua caracterização pregressa.
O que sobra é uma nesga de história que toma boa parte do filme, apenas servindo de desculpa para suas longas e elaboradas cenas de ação. Mas, em defesa de Ballerina, são boas sequências.
Infelizmente, o diretor Len Wiseman, mais conhecido por seu trabalho na deliciosamente tosca série de filmes Underworld, não é nem de longe um Chad Stahelski em termos de “olho” para a ação. Além de faltar um peso nos combates, há uma quebra com o excesso de combates corpo a corpo. Um incômodo meu é que, embora Eve esteja sofrendo enquanto apanha, ela termina o filme de cabelo feito, maquiada e com um ou dois cortezinhos no rosto, embora estivesse no meio de explosões e de um fogaréu menos de dez minutos antes.
Porém, Wiseman tenta balancear isso a sua maneira, sendo inventivo na composição das cenas. Há algumas ideias originais, uma coreografia competente e um trabalho de dublês que, apesar de inferior ao visto na série principal, não envergonha. Se você veio unicamente pela ação, acredito que ela é boa o suficiente, mesmo que não seja tão espetacular quanto a de outras produções, ficando a par com o primeiro filme, que tinha um orçamento muito menor e um escopo igualmente limitado.
Assim, Ballerina não é ruim, mas também não tenta trazer uma coisa nova para o que, agora, é um universo maior. A produção é um “John Wickzinho” e tenho dificuldade em dizer de que maneiras Eve se difere do personagem de Reeves em termos de capacidades ou estilo de combate. Ana de Armas, aliás, entrega uma interpretação igualmente engessada e que funciona menos do que na sua contraparte masculina – o que é um desperdício, pois havia muito espaço para compor sua protagonista de maneiras distintas.
Com uma história que inão parece ter consequências maiores para o mundo e sem nenhum personagem novo interessante, Ballerina é só um filme meio desnecessário. Ainda assim, sua existência não chega a ser ofensiva para a série.
Outras divagações:
John Wick
John Wick: Chapter 2
John Wick: Chapter 3 - Parabellum
John Wick: Chapter 4
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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