Divagações: Good Fortune

Good Fortune

Aziz Ansari já fez um nome para si mesmo na televisão e no stand-up. Agora, ele tem sua estreia diretorial nos cinemas com Good Fortune, um filme que parece querer atualizar algumas ideias já batidas desse subgênero muito específico (que ecoa especialmente o clássico natalino It's a Wonderful Life, de 1946, e Trading Places, de 1983), as duras realidades da precarização do trabalho e as crescentes tensões de classe no capitalismo contemporâneo.

Mas, por mais que eu sinta que essa é uma produção preocupada em levantar certas questões, Good Fortune parece estranhamente envergonhado em se comprometer com qualquer crítica mais pesada. Na minha opinião, essa falta de coragem é justamente o que impede o longa-metragem de alcançar seu potencial.

Explicando: a trama acompanha Arj (Aziz Ansari), um aspirante a documentarista que se vê preso nas entranhas da gig economy em Los Angeles; ou seja, ele está tentando minimamente sobreviver. Isso o leva a trabalhar como assistente de Jeff (Seth Rogen), um investidor milionário de tecnologia que vive a realidade tão desejada por Arj. 

Depois de perder o emprego e seu carro (que também é sua casa), Arj chega ao fundo do poço e é abordado por Gabriel (Keanu Reeves), um anjo que procura justamente por uma alma perdida e desgarrada para guiar. Para mostrar que nem tudo na vida de riquezas é perfeito, o anjo propõe a ele trocar de vida temporariamente com Jeff. Mas, quando essa lição de moral falha e Arj desiste de retornar ao seu corpo, cabe a Jeff e a Gabriel tentarem convencer Arj a aceitar sua vida de sofrimento e miséria.

Com um bom texto, ritmo agradável e boas performances, Good Fortune é muito mais um filme agradável do que um hilário, não tendo nem o pastelão de um humor bobo e nem uma sátira mais aguçada que faça o filme se destacar. Ele remete o suficiente aos clichês de filmes de anjo ou àqueles em que dois personagens trocam de lugar, mas coloca cinismo o bastante na receita para impedir que a história caia no sentimentalismo meio brega que esse tipo de obra costuma suscitar.

Reeves está bom no papel de bobalhão bem-intencionado, retornando a suas raízes cômicas. Apesar da atuação tradicionalmente travada, ele realmente brilha nos momentos que requerem mais sinceridade, ternura e humanidade, sendo o cerne emocional do filme. Rogen faz o papel de sempre e traz zero surpresas. Já Ansari talvez se perca um pouco no trabalho triplicado de diretor-roteirista-protagonista, funcionando melhor no primeiro ato do filme e desaparecendo um pouco no restante.

Para mim, o problema está justamente na mensagem central do filme. Sei que ele não é nenhum tratado de economia política, mas o longa-metragem parece estar desesperadamente querendo dizer algo sobre o trabalho na sociedade em que vivemos e o valor da empatia e da esperança. Porém, ele descamba para uma mensagem estranhamente regressiva, que desiste de carregar qualquer animosidade contra as elites econômicas, faltando uma “mordida” no roteiro.

Imagino que isso talvez ocorra pela vergonha de admitir a hipocrisia de que todos os envolvidos nessa produção tem, sim, mais dinheiro do que precisam para toda a vida. Mas, ao perpetuar o mito de um “capitalismo benévolo”, a produção entra em rota de colisão com outras comédias recentes sobre tensões de classe, como Parasite e Anora, que ativamente levam seus temas a extremos, tornando a mensagem de Good Fortune bastante vazia.

Não vou dizer que a produção não tem seus bons momentos: há alguns bons gracejos e subversões bacanas das fórmulas (com referência e um pouquinho de crítica). Contudo, em um cenário em que esse tipo de obra está recorrente e as tensões sociais são crescentes, a clara vontade de “não querer ofender ninguém” impede Good Fortune de ganhar asas. 

Ainda assim, esta é uma rara comédia de maior substância que está chegando aos cinemas em vez de se perder nos catálogos de streaming por aí. E eu tenho que reconhecer isso como um mérito, embora siga acreditando que o filme poderia ser tão mais interessante que é difícil não lamentar pelo potencial desperdiçado.

Texto: Vinicius Tomal
Edição: Renata Bossle

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