Depois da vitória de Ainda Estou Aqui no Oscar, é natural que os brasileiros estejam empolgados com o cinema nacional – ainda mais quando uma nova produção se destaca em festivais internacionais e mantém os ânimos lá em cima. O Agente Secreto conseguiu prêmios de melhor direção e melhor ator em Cannes, com Kleber Mendonça Filho acumulando prêmios (ou, pelo menos, indicações) pelo mundo.
Com isso, os materiais promocionais decidiram focar mais no potencial da produção para troféus do que exatamente na história. Embora eu não goste muito dessa estratégia enquanto espectadora (e pessoa supersticiosa), entendo que há um mérito em não revelar demais sobre o que realmente vai acontecer na tela. Afinal, esse é um daqueles filmes em que você não entende nada por um bom tempo, até que as peças começam a se encaixar.
O Agente Secreto se passa no final dos anos 1970, quando a ditadura militar ainda estava presente, mas já dava sinais de enfraquecimento. Marcelo (Wagner Moura) é um homem que está se escondendo de algo, mas que também não está parado. Com a ajuda da misteriosa Elza (Maria Fernanda Cândido), ele vai morar em um prédio em Recife sob os cuidados de Sebastiana (Tânia Maria) e onde todos parecem ser “refugiados”.
Ao mesmo tempo, ele tem outras agendas, bastante pessoais. Por um lado, arruma um emprego no instituto de identificação, buscando por documentos específicos de sua mãe. Por outro, mantém contato com o antigo sogro (Carlos Francisco) por conta de seu filho com Fatima (Alice Carvalho). Para completar, um poderoso executivo (Luciano Chirolli) decidiu mandar uma dupla perigosa atrás de Marcelo (Roney Villela e Gabriel Leone).
Aliás, o filme trabalha com a temática familiar de uma maneira bastante peculiar, algo que eu gostaria de ter cacife e tempo para poder explorar melhor. Em específico, há vários retratos de pais e filhos em diferentes circunstâncias. Há filhos que se comportam como “jagunços” dos pais, há dinâmicas estranhas com enteados, há filhos legítimos convivendo com filhos de criação e há crianças carentes de afeto. Cada pai tem a cria que o define.
Confesso que há uma profusão de personagens que deixam O Agente Secreto um pouco difícil de acompanhar em alguns momentos, o que é comum neste tipo de história, criada para confundir. Há, por exemplo, um delegado (Robério Diógenes) que se aproxima gratuitamente de Marcelo e o apresenta a alguém que acredita ser um soldado da 2ª Guerra Mundial (Udo Kier). Por quê? Pelo clima de tensão que este tipo de momento proporciona, eu imagino.
De maneira geral, a produção se constrói ao redor dos “climas”. A música é usada de uma maneira quase exagerada, deixando claro quando há algo suspeito no ar e, ao mesmo tempo, fazendo referência a obras de suspense da época. Há, inclusive, uma entrega absoluta à galhofa em um determinado momento, quando um causo absurdo dos jornais é misturado com a vida dos personagens, sem nenhum aviso prévio. Ou seja, este é um filme que não precisa quebrar a quarta parede para deixar claro de que está ciente de que esta é uma obra de ficção.
Tudo isso faz com que O Agente Secreto seja icônico. Escancarando sua liberdade criativa e a ausência do compromisso de ser fiel a acontecimentos reais, o longa-metragem se permite “brincar” com os absurdos vistos à época e com o sentimento de insegurança constante, onde não há clareza sobre o que é mentira e o que é verdade, quem é confiável e quem é um traidor. Ao mesmo, o filme não perde de vista o que realmente importa e sabe trazer o drama quando necessário.
E, obviamente, esta “brincadeira” que mencionei no parágrafo anterior tem um propósito. No contexto dos personagens, fica claro que ninguém está procurando por confusão (ou fazendo pirraça, para citar o próprio filme). Estas pessoas estão tão habituadas a um cenário de violência e de leis que se moldam às necessidades dos poderosos, que elas simplesmente aprenderam a viver neste mundo, neste Brasil.
Sinceramente, não sei que destino O Agente Secreto terá nesta temporada de premiações que está começando, mas concordo que esta é uma produção nacional que merece ser vista por multidões, especialmente por aqui. Eu me questiono como os gringos vão encarar certos elementos (e até mesmo se vão entender), mas não quero subestimar a inteligência alheia: então, acho que o caminho está aberto para mais uma estatueta.
Outras divagações:
Aquarius
Bacurau

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