Divagações: Philomena

É estranho pensar como nos últimos anos o cinema tem deixado de lado as obras enxutas. Dos grandes blockbusters aos dramas mais intensos,...

É estranho pensar como nos últimos anos o cinema tem deixado de lado as obras enxutas. Dos grandes blockbusters aos dramas mais intensos, é clara a intenção de ultrapassar a esfera do mundano, de fazer algo ‘maior que a vida’. Não que exista algo de errado em se buscar essa dose de drama e pungência, porém, ao sermos expostos a histórias de teor tão forte e incisivo, acabamos nos esquecendo de valorizar filmes como Philomena, que, mesmo sem o peso dramático de outras obras, conseguem ser engraçados, comoventes, interessantes e reais.

Ironicamente, essa mesma atitude está inserida na própria história de Philomena. Martin Sixsmith (Steve Coogan) é um jornalista político que está sem rumo depois de deixar o seu emprego no partido trabalhista britânico. Apesar de desprezar as ‘histórias de interesse humano’, ele resolve ajudar Philomena (Judi Dench), uma senhora irlandesa, a encontrar seu filho perdido, de quem foi separada na sua juventude (período em que é interpretada por Sophie Kennedy Clark) enquanto trabalhava em um convento nos anos 1950.

De forma interessante, a jornada que se segue não apenas serve em prol de um melodrama como poderia se esperar de histórias do tipo, mas também trabalha com as interações entre os personagens neste percurso e com suas questões pessoais, sem deixar de ser descompromissado e sem apelar demais para sentimentalismos. E tudo isso só é possível graças às ótimas atuações dos atores principais.

Judi Dench está fantástica no papel, conseguindo passar sabedoria e ingenuidade, sendo carismática sem deixar transparecer alguns defeitos e atitudes que poderiam ser terrivelmente inconvenientes em outro contexto. Já Steve Coogan, mesmo não se destacando tanto, entrega um trabalho sólido e crível, usando de um cinismo e de uma teimosia que servem muito bem como um contraponto a Judi.

A direção de Stephen Frears também é equilibrada e consegue passar um senso de realidade e de solidez à trama, mesclando bem as memórias e a trama principal. O roteiro é agradável e coeso, sendo que suas intervenções e licenças poéticas em relação à história real são justificáveis para gerar uma ideia de antagonismo. Por sua vez, o senso de humor é bastante presente e é bem trabalhado, Philomena é aquele tipo de comédia mais focada nas atitudes dos personagens que na situação – eminentemente dramática. Porém, o filme se perde um pouco em sua mensagem política, quer seja a crítica à igreja ou ao conservadorismo no geral, o que pode desagradar algumas pessoas que esperam um filme ideologicamente neutro.

Como disse anteriormente, o interessante é exatamente a leveza com que a produção trata certos assuntos. Em um território onde o melodrama é estabelecido, Philomena consegue balancear os momentos de maior introspecção com doses pontuais, porém pertinentes, de comédia, resultando em um tipo de história que não insiste em provocar certas emoções em seus expectadores, mas que trata de maneira orgânica acontecimentos que poderiam ser parte da vida de qualquer um.

O filme é despretensioso e agradável, mas consegue ter seu peso e valor como obra, assemelhando-se bastante com o premiado The King Speech na maneira mais ‘pé no chão’ de lidar com certos assuntos de modo elegante e sem se transformar em algo maçante ou cheio de simbolismos. Se você precisa dar uma respirada dos grandes filmes da temporada para ver algo mais digestível, Philomena é uma boa opção, já que é aprazível sem ser bobo e maduro sem ser chato.


Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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