Divagações: Le Scaphandre et le Papillon

Sempre ouvi falar que Le Scaphandre et le Papillon é um filme muito bonito. Por alguma razão misteriosa, contudo, nunca fui informada so...

Sempre ouvi falar que Le Scaphandre et le Papillon é um filme muito bonito. Por alguma razão misteriosa, contudo, nunca fui informada sobre a sinopse – e nem procurei saber. Durante muito tempo, procurei por uma companhia para assistir ao filme e nunca encontrei. Suponho que as pessoas eram mais bem informadas do que eu e tinham certo medo em ver algo triste (convenhamos que isso é raridade no cinema atual). Ou talvez seja puro preconceito com relação ao cinema francês.

Baseado no livro autobiográfico de Jean-Dominique Bauby, o filme o acompanha a partir do momento em que abre os olhos em um hospital depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral (AVC). A partir desse momento, ele precisa redescobrir a si mesmo, reaprendendo a se comunicar e a viver preso dentro de si mesmo – perfeitamente consciente de tudo ao seu redor, mas incapaz de qualquer reação exceto a de piscar com o olho esquerdo –, já que sofre de uma condição rara chamada de Síndrome do Encarceramento.

Com um peculiar senso de humor e uma boa dose de cinismo, Jean-Do (Mathieu Amalric), como ele era mais comumente chamado, passa a conviver com belas mulheres: a mãe de seus filhos, Céline (Emmanuelle Seigner), a fonoaudióloga Henriette Roi (Marie-Josée Croze), a assistente Claude (Anne Consigny), a fisioterapeuta Marie Lopez (Olatz López Garmendia) e as que vivem em suas lembranças.

Obviamente, trata-se de uma história de superação e apenas observar um homem nessas condições criar forças e ter ânimo para escrever um livro é algo único e maravilhoso. Contudo, o diretor Julian Schnabel honra todo o legado de Bauby – que costumava ser editor da revista Elle – ao entregar uma obra perfeita tecnicamente. Como sempre, Schnabel respeita seus protagonistas e demonstra amar todo o tipo de arte. Um diretor sensível e normalmente bom, ele se superou aqui.

Le Scaphandre et le Papillon é narrado e filmado quase que inteiramente a partir do ponto de vista do protagonista, inclusive, demorando quase 40 minutos para mostrar o rosto dele e com uma incômoda cena do olho direito sendo costurado (nada traumatizante, não se preocupem). Alguns acontecimentos estão fora de ordem, mas essa aparente confusão serve, ma verdade, para criar uma espécie de fluxo emocional.

Com a câmera fixa em muitos momentos, torna-se comum que os atores saiam do quadro ou demonstrem desconforto ao se abaixarem para conversar com o protagonista paralisado. É incômodo para Jean-Do e também para o público, que percebe como as pessoas são ingenuamente desconsideradas. Essa câmera fixa, no entanto, não é monótona. Essa forma de mostrar as coisas é compensada pelos ângulos pouco usuais, pelos eventuais problemas de visão que deixam as coisas um pouco embaçadas e pela mente ágil de Jean-Do, que nunca para.

Passado em um hospital à beira-mar (o mesmo em que Bauby se tratava), Le Scaphandre et le Papillon também mostra paisagens muito bonitas e utiliza a metáfora do título em mais de uma ocasião. A iluminação também é muito bem cuidada e dá um ar nostálgico e triste, mas esperançoso, à produção.

O filme não deixa de ser triste e suponho que não seja a melhor escolha para quem quer ver algo sozinha em um domingo de manhã. Ao mesmo tempo, é muito bonito (assistam aos créditos!) e rende muita reflexão. Não é algo fácil de absorver, mas é uma lição de vida incrível.

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