Divagações: American Sniper
17.2.15
Ainda que muito presente no imaginário popular, a cultura beligerante dos Estados Unidos nunca foi lá muito bem aceita nas terras brasileiras. Afinal, mesmo que exista quem fantasie com a importância do nosso exército, não há como deixar de admitir que por aqui a vida de soldado não é lá das mais glamorosas ou emocionantes. Esse distanciamento saudável da ideologia da caserna me faz olhar com ceticismo para qualquer filme de guerra que é criticamente aclamado lá fora, já que muitas vezes os nossos amigos estadunidenses têm alguns problemas em separar o patriotismo de uma visão imparcial sobre uma obra.
Continuando o legado iniciado pelos bons resultados de filmes como The Hurt Locker, Lone Survivor e Zero Dark Thirty, American Sniper volta a tratar da campanha americana no Iraque. Baseando-se na história real de Chris Kyle (Bradley Cooper), um dos mais condecorados atiradores na história do exército americano, o filme segue sua trajetória desde o treinamento na marinha até o relacionamento com sua esposa Taya (Sienna Miller) e seus filhos após a volta do soldado da campanha no oriente médio.
O maior problema de American Sniper é justamente sua indecisão sobre como abordar a vida de Kyle, por vezes focando em conflitos internos e na inadequação em viver fora do campo de batalha, por vezes sendo apenas mais um filme de combate sem qualquer abordagem dramática profunda. Ainda que tenha de respeitar o material original e a memória do atirador, seria mais interessante cinematograficamente ou acompanhar as lutas de um soldado alquebrado pela guerra tentando sobreviver em um mundo pacífico ou abraçar completamente a futilidade do combate para agradar quem realmente acredita na violência como forma de solução de conflitos.
Como resultado, o filme entrega mensagens um pouco dissonantes. Enquanto parte dele demonstra as profundas marcas deixadas por quem viu e participou dos horrores e do constante estresse que é estar no campo de batalha, a outra simplesmente glorifica uma invasão, sem espaço para humanizar a visão dos antagonistas e, de modo geral, celebra a figura do herói de guerra e do patriota americano. É vazia qualquer possibilidade de simpatizarmos completamente com Chris Kyle que, propositalmente, toma decisões estúpidas e coloca a própria vida em risco em prol de ideais que não significam nada para muitos.
Esta situação seria ainda pior se não fosse o trabalho de Bradley Cooper que, mesmo tendo sido criticado pela indicação da Academia – vista por muitos como uma injustiça a atores com papéis mais complexos –, entrega um trabalho muito bem pesquisado e interessante, sendo visível a dedicação e o esforço que teve para desempenhar o papel, incluindo uma considerável transformação física para se aproximar da aparência do soldado.
A direção de Clint Eastwood, por outro lado, se perde um pouco nas exigências de uma história biográfica e na propaganda velada dos ideais do partido republicano, mostrando-se menos autoral e original do que poderia. Mesmo sendo um pouco mais polido que a maior parte de seus trabalhos anteriores, ele consegue manter um ritmo agradável e com diversos pontos focais de interesse, com um desenvolvimento constante do roteiro. Infelizmente, essa dinâmica se perde um pouco durante o ato final do filme, que acaba soando mais como um apêndice para mascarar a carga ideológica do filme do que uma sequência coerente com o tipo de agenda mostrada até então.
No final, American Sniper é um filme que mais incomoda pelo tipo de mensagem passada do que pelos defeitos mais objetivos de sua realização. Apesar de compreender que é um tipo de coisa que funciona com o público americano, para mim é incompreensível o motivo de seu sucesso comercial. Afinal, aquele que era para ser o personagem central da trama também é o culpado por todos os problemas que enfrenta, passando o filme inteiro sem sofrer nenhuma transformação ou crescer como indivíduo. Talvez seja um dos filmes que valha assistir pela curiosidade, já que seu mérito artístico acaba sendo soterrado pela ideologia e pelo favorecimento de visões políticas que, em nossa realidade, parecem ainda mais alienígenas.
Outras divagações:
0 recados