Divagações: Doctor Sleep
6.11.19
Sinceramente, devemos dar os parabéns para Mike Flanagan só por ter a coragem de dirigir, escrever, editar e produzir a continuação de um filme que é considerado um dos maiores clássicos do cinema de horror e que foi dirigido por um dos diretores mais influentes da história. Afinal, nestas circunstâncias, ele está sob um escrutínio pesadíssimo por todos os lados e, apenas por levar a tarefa a cabo, já demonstra uma confiança em suas habilidades – ou uma extrema desconexão com a realidade.
Aliás, vale apontar que este Doctor Sleep, como obra, é bem mais uma continuação do filme The Shining, de Stanley Kubrick, do que uma simples adaptação do romance de Stephen King. Assim, mesmo com a conhecida antipatia do autor pela versão de Kubrick, Flanagan canoniza a versão cinematográfica como sua principal inspiração estética.
Com uma trama que se passa 30 anos depois dos acontecimentos de The Shining, Doctor Sleep retoma a história de Danny Torrance (Ewan McGregor). Devido aos acontecimentos traumáticos no Hotel Overlook, o menino se tornou uma pessoa não lá muito equilibrada, sendo constantemente assombrado pelos (literais) fantasmas do passado. Afundado no alcoolismo e em um estilo de vida nada saudável, Danny tenta recomeçar a vida no interior, onde se torna um enfermeiro.
Por um período, tudo parece correr bem. A vida de Danny, então, se cruza com a da jovem Abra Stone (Kyliegh Curran), uma garota com poderes similares aos dele – porém, muito mais intensos. Por conta disso, ela se torna alvo de um grupo liderado por Rose the Hat (Rebecca Ferguson) e formado por pessoas que abandonaram a humanidade para se alimentar das energias de pessoas iluminadas, em uma busca por imortalidade.
Apenas pela sinopse já é possível ver que Doctor Sleep não compartilha com seu antecessor o mesmo tom e o mesmo gênero. Enquanto The Shining é um filme de terror em todos os seus aspectos, Doctor Sleep não envereda muito para esses lados, posicionando-se como um suspense sobrenatural que em momento algum chega a causar medo ou criar verdadeira tensão. Não que isso seja um ponto negativo, afinal de contas, esta nunca foi a proposta. Ainda assim, isso pode azedar a experiência de quem for ver o filme esperando por algo mais próximo do anterior.
Inclusive, o longa-metragem é competente para lidar com o que se propõe. Alguns conceitos são interessantes, as atuações são bastante fortes (sobretudo a de Rebecca Ferguson, como uma antagonista que funciona surpreendentemente bem) e o filme tem genuínas boas ideias a respeito de como mesclar o legado visual de Stanley Kubrick com elementos mais modernos de computação gráfica.
Porém, falta a finesse e a minúcia do diretor nessas adaptações, ou seja, ainda que algumas ideias sejam boas, a execução fica a desejar. Isso ocorre sobretudo nas aparições dos personagens do filme anterior, pois os atores e a maquiagem digital acabam sendo meio esquisitos e destoam das expectativas.
De qualquer modo, o apelo barato à nostalgia é bastante limitado ao último ato do filme. Neste ponto, Doctor Sleep mistura bons pontos de desenvolvimento de personagem com cenas absolutamente desnecessárias, criadas apenas para justificar o fato que essa é realmente uma continuação de The Shining.
Felizmente, isso não chega a estragar a experiência, já que o miolo da produção é bastante interessante e consegue contar uma história que não precisa dessa muleta referencial para funcionar. Se muito, o filme seria melhor tendo ficado só por aí – mas suponho que os executivos não aprovariam a decisão de distanciar o filme de elementos tão icônicos quanto esses.
Além disso, não me surpreende que Stephen King tenha ficado mais contente com o resultado de Doctor Sleep do que com The Shining. O novo filme está mais próximo de uma estética popular e de uma narrativa mais direta do que seu antecessor, ficando estranhamente próximo do também controverso It: Chapter 2 – outra obra adaptada de um livro do autor que foi criticada por abandonar um pouco a atmosfera de horror.
Ou seja, está claro que algumas decisões narrativas foram tomadas para agradar a Stephen King (algo que quem tem contato com o livro original irá reconhecer imediatamente), colocando Doctor Sleep em um estranho ponto da balança. Mas é justamente ao não querer pender demais para nenhum dos lados – não sendo nem Kubrick, nem King – que o longa-metragem pode ter perdido sua chance de ter algum brilhantismo.
Outras divagações:
The Shining
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Aliás, vale apontar que este Doctor Sleep, como obra, é bem mais uma continuação do filme The Shining, de Stanley Kubrick, do que uma simples adaptação do romance de Stephen King. Assim, mesmo com a conhecida antipatia do autor pela versão de Kubrick, Flanagan canoniza a versão cinematográfica como sua principal inspiração estética.
Com uma trama que se passa 30 anos depois dos acontecimentos de The Shining, Doctor Sleep retoma a história de Danny Torrance (Ewan McGregor). Devido aos acontecimentos traumáticos no Hotel Overlook, o menino se tornou uma pessoa não lá muito equilibrada, sendo constantemente assombrado pelos (literais) fantasmas do passado. Afundado no alcoolismo e em um estilo de vida nada saudável, Danny tenta recomeçar a vida no interior, onde se torna um enfermeiro.
Por um período, tudo parece correr bem. A vida de Danny, então, se cruza com a da jovem Abra Stone (Kyliegh Curran), uma garota com poderes similares aos dele – porém, muito mais intensos. Por conta disso, ela se torna alvo de um grupo liderado por Rose the Hat (Rebecca Ferguson) e formado por pessoas que abandonaram a humanidade para se alimentar das energias de pessoas iluminadas, em uma busca por imortalidade.
Apenas pela sinopse já é possível ver que Doctor Sleep não compartilha com seu antecessor o mesmo tom e o mesmo gênero. Enquanto The Shining é um filme de terror em todos os seus aspectos, Doctor Sleep não envereda muito para esses lados, posicionando-se como um suspense sobrenatural que em momento algum chega a causar medo ou criar verdadeira tensão. Não que isso seja um ponto negativo, afinal de contas, esta nunca foi a proposta. Ainda assim, isso pode azedar a experiência de quem for ver o filme esperando por algo mais próximo do anterior.
Inclusive, o longa-metragem é competente para lidar com o que se propõe. Alguns conceitos são interessantes, as atuações são bastante fortes (sobretudo a de Rebecca Ferguson, como uma antagonista que funciona surpreendentemente bem) e o filme tem genuínas boas ideias a respeito de como mesclar o legado visual de Stanley Kubrick com elementos mais modernos de computação gráfica.
Porém, falta a finesse e a minúcia do diretor nessas adaptações, ou seja, ainda que algumas ideias sejam boas, a execução fica a desejar. Isso ocorre sobretudo nas aparições dos personagens do filme anterior, pois os atores e a maquiagem digital acabam sendo meio esquisitos e destoam das expectativas.
De qualquer modo, o apelo barato à nostalgia é bastante limitado ao último ato do filme. Neste ponto, Doctor Sleep mistura bons pontos de desenvolvimento de personagem com cenas absolutamente desnecessárias, criadas apenas para justificar o fato que essa é realmente uma continuação de The Shining.
Felizmente, isso não chega a estragar a experiência, já que o miolo da produção é bastante interessante e consegue contar uma história que não precisa dessa muleta referencial para funcionar. Se muito, o filme seria melhor tendo ficado só por aí – mas suponho que os executivos não aprovariam a decisão de distanciar o filme de elementos tão icônicos quanto esses.
Além disso, não me surpreende que Stephen King tenha ficado mais contente com o resultado de Doctor Sleep do que com The Shining. O novo filme está mais próximo de uma estética popular e de uma narrativa mais direta do que seu antecessor, ficando estranhamente próximo do também controverso It: Chapter 2 – outra obra adaptada de um livro do autor que foi criticada por abandonar um pouco a atmosfera de horror.
Ou seja, está claro que algumas decisões narrativas foram tomadas para agradar a Stephen King (algo que quem tem contato com o livro original irá reconhecer imediatamente), colocando Doctor Sleep em um estranho ponto da balança. Mas é justamente ao não querer pender demais para nenhum dos lados – não sendo nem Kubrick, nem King – que o longa-metragem pode ter perdido sua chance de ter algum brilhantismo.
Outras divagações:
The Shining
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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