Divagações: Kill Bill: Vol. 1

A primeira vez que eu vi um filme de Quentin Tarantino nos cinemas foi com Kill Bill: Vol. 1 . Na época, a expectativa era enorme (ao men...

A primeira vez que eu vi um filme de Quentin Tarantino nos cinemas foi com Kill Bill: Vol. 1. Na época, a expectativa era enorme (ao menos para mim) e o filme era de encher os olhos. Eu nunca tinha visto algo tão violentamente divertido e as implicações disso surgiram na minha mente com força. Na época, eu estava começando a pensar mais sobre filmes e suas mensagens, então, a estranha obsessão humana com a violência, juntamente com a relação disso com o prazer, acabou sendo um tema constante.

Dito isso, naquele momento, eu optei por não rever a produção em casa. Afinal, não queria que novas lembranças “maculassem” aquela experiência fantástica que tive na sala de cinema. Mais de 15 anos depois, contudo, eu resolvi arriscar. E a pessoa que eu sou agora aproveitou Kill Bill: Vol. 1 de uma maneira completamente diferente.

Para começar, eu sempre soube que o filme – assim como qualquer coisa que levasse a assinatura de Quentin Tarantino – era repleta de referências. Eu devo, inclusive, ter lido sobre algumas delas e as reconhecido no longa-metragem. Agora, contudo, eu já vi filmes de kung fu (e dos Shaw Brothers) e tenho alguma bagagem real sobre o assunto. Claro que não sou capaz de mapear todas as referências e o que motivou cada uma das decisões do diretor, mas a construção da história e o tom do filme ganharam uma nova camada.

Para começar, Tarantino sabe o que está fazendo e não tenta entregar um filme de kung fu exatamente aos moldes das produções “originais”. Ao escolher como sua protagonista uma mulher loira e obviamente estadunidense, ele posiciona sua produção como hollywoodiana e, por cima disso, ainda procura jogar suas características autorais. E, bom, ele é um nerd norte-americano que viu filmes demais e adora ser “cool”.

Outro ponto importante está na trilha sonora, que mistura uma série de elementos e traz aspectos orientais, mas também contém músicas mais agitadas e “alternativas”. Ao mesmo tempo, a seleção de canções traz um toque de faroeste – o gênero cinematográfico norte-americano por excelência –, o que combina tanto com a caracterização da protagonista como uma heroína solitária de passado sombrio quanto com um dos principais cenários do filme, uma pequena capela no Texas.

Em resumo, Kill Bill (ao longo dos dois volumes) conta uma história de vingança. Ele apresenta uma mulher grávida (Uma Thurman) que estava prestes a se casar quando um grupo de assassinos entra na igreja e mata todos os presentes. A noiva, contudo, sobrevive mesmo após levar um tiro à queima roupa do líder do grupo, Bill (David Carradine), que, não por acaso, é pai da filha que ela carrega.

Alguns anos depois, a noiva acorda de um coma e decide ir atrás de todos os membros do grupo, com o objetivo de matar um por um até chegar em Bill. Neste primeiro volume, ela enfrenta Vernita Green (Vivica A. Fox), que agora tem uma vida aparentemente tranquila como uma dona de casa dos subúrbios, e O-Ren Ishii (Lucy Liu), que se tornou líder do submundo do crime em Tóquio.

O filme, então, aproveita esses dois principais momentos para mostrar a que veio em termos de cenas de ação e violência, intercalando essa jornada com informações sobre o passado da personagem principal e suas motivações. Os diálogos são sempre dramáticos e exagerados, colocando a jornada de vingança como algo inevitável e sem escapatória, algo que deve ser feito e deve ser enfrentado com honra.

Na luta com Vernita, que praticamente abre o filme, também são estabelecidos pontos importantes da personalidade e da moral da protagonista. Já as sequências que envolvem O-Ren Ishii e todo seu séquito foram criadas especialmente para mostrar a dificuldade da missão e para serem uma pura diversão sanguinolenta. Olhando para trás, O-Ren Ishii representa um desafio muito maior do que o próprio Bill, mas a noiva sequer questiona o fato de que precisa enfrentá-la antes de chegar em seu destino final. Há regras claras nesse mundo e ela as obedece à risca.

Inclusive, quando se pensa em Kill Bill: Vol. 1, o que normalmente vem à cabeça são esses momentos, com a noiva vestida de amarelo e portando uma catana enquanto enfrenta um enorme número de pessoas mascaradas e de terno. Em sua salada de referências, Tarantino conseguiu criar algo absolutamente icônico e que chama atenção por si só, exibindo com orgulho elementos de uma cultura formada por muitas outra. Como cineasta, ele faz questão de mostrar que viu muitos filmes e que quer criar algo novo e único a partir de tudo isso. E ele consegue.

Outras divagações:
Reservoir Dogs
Jackie Brown
Death Proof
Django Unchained
The Hateful Eight
Once Upon a Time ... in Hollywood

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