Divagações: Rebecca (2020)

Minha relação com Rebecca é de longa data, como relato na resenha do filme de 1940 . Quando soube que seria lançada uma nova versão, resolv...

Rebecca
Minha relação com Rebecca é de longa data, como relato na resenha do filme de 1940. Quando soube que seria lançada uma nova versão, resolvi ler o livro para me preparar e ter uma visão mais ampla do que deveria encontrar. O que descobri foi uma narrativa bastante datada e com um tom moralista curioso, mas com seus charmes. O principal deles é justamente a forma como a personagem título está sempre presente, mesmo que toda a história esteja sendo contada por uma pessoa que nunca a conheceu.

A princípio, o visual desta nova produção é bastante interessante e bonito. O diretor Ben Wheatley e sua equipe capricharam em cenários e figurinos que efetivamente ajudam a contar a história. A arquitetura e os elementos decorativos da casa onde a trama se passa fazem parte do sentimento de constante opressão vivido pela protagonista, que sente pequena em meio a tanta grandeza, atrapalhada em meio a tanta delicadeza e, principalmente, inadequada diante de costumes tão específicos e diferentes dos seus.

Rebecca acompanha uma jovem sem família ou prospectos (Lily James), que se casa com um homem mais velho, bastante rico e que se tornou viúvo há aproximadamente um ano, Maxim de Winter (Armie Hammer). A chegada dela na imponente propriedade familiar é acompanhada por uma dose de desconfiança por parte dos empregados da residência, em especial pela governanta Mrs. Danvers (Kristin Scott Thomas), que era particularmente apegada à esposa falecida, Rebecca.

Ainda que o administrador da propriedade (Tom Goodman-Hill) e a cunhada (Keeley Hawes) pareçam dispostos a ajudar na adaptação, a jovem esposa esbarra constantemente em comparações com Rebecca, que incluem seus hábitos refinados, seu comportamento acolhedor e sua grande beleza. Ela não sabe lidar com o peso deste legado, que cai desavisado sob suas costas, e encontra um muro ao redor de seu marido, que a impede de discutir o assunto.

Mas este muro está prestes a desabar quando um barco é encontrado nas proximidades da propriedade. Nele, está o corpo de Rebecca e algumas novas evidências, o que leva a uma investigação sobre as reais causas de sua morte. Neste processo, a personalidade irretocável da falecida começa a demonstrar rachaduras, algumas envolvendo o misterioso Jack Favell (Sam Riley).

Uma das principais diferenças entre este filme e a versão de 1940 está neste momento. Devido à censura existente na época, a produção anterior não pôde ser fiel aos acontecimentos do livro, mas isto foi remediado aqui, o que deixa a trama mais interessante. Ao mesmo tempo, a condensação da história faz com que o personagem de Armie Hammer não seja muito bem desenvolvido e suas ações acabam tendo justificativas muito fracas.

Outra grande questão está na tentativa de dar mais personalidade à protagonista. Enquanto no livro ela é representada como uma menina sonhadora, que se torna cada vez mais insegura, aqui ela passa a ter momentos mais vivazes, efetivamente tomando decisões e agindo, sem apenas se deixar levar. Embora isso ajude a fazer a trama andar mais rapidamente, também acaba mudando o tom da história ao diminuir a constante opressão.

Aliás, os momentos mais reativos da protagonista acabam fazendo com que algo mude em Rebecca. Enquanto a história original traz um romance que é atrapalhado por acontecimentos terríveis do passado (acompanhado por um amadurecimento forçado da personagem principal), esta nova versão faz o público questionar a motivação dos protagonistas. Com qualquer outro narrador, Rebecca poderia se tornar uma vítima e os protagonistas poderiam ser os vilões.

O que quero dizer é que o público não consegue se envolver o suficiente com os protagonistas, a ponto de torcer pela felicidade deles. Pelo contrário, eles parecem estar movendo mundos e fundos, usando de todos os privilégios trazidos pela riqueza e pela elevada posição social, para serem felizes às custas dos outros. A narrativa desanda a tal ponto que a assustadora Mrs. Danvers deixa de ser uma ameaça e passa a ser mais uma vítima das circunstâncias.

Assim, à medida que a história se desenrola, os sentimentos que o filme deveria transmitir não correspondem com o que efetivamente é percebido. Com isso, as atuações parecem superficiais e as conclusões se tornam insatisfatórias. Rebecca é um filme lindo, mas algo nele azedou.

Outras divagações:
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