Divagações: Nope
23.8.22
Quando Jordan Peele, forte nome da comédia norte-americana, decidiu não apenas se dedicar ao cinema, mas também desbravar o gênero de terror, foi fácil reagir com ceticismo. Felizmente, sua primeira incursão na escrita e direção de um filme, com o excelente Get Out, mostrou que Peele não apenas era capaz, como era um nome promissor.
Todavia, seu filme seguinte não conseguiu o mesmo clamor crítico, a despeito de Us ser uma obra verdadeiramente interessante. Com isso, foi plantada uma semente de dúvida na plateia: seria Peele um cineasta de uma obra só? Um M. Night Shyamalan, sempre fadado a ser comparado com sua filmografia pregressa?
A resposta para essa pergunta é complicada. Ainda que não tenha chegado aos baixos de Shyamalan, Peele não consegue exatamente superar as expectativas colocadas sobre sua própria cabeça. Em um desconfortável ponto de distinção ante suas obras anteriores, Nope é, ao mesmo tempo, diferente demais dos outros filmes, o que pode causar certa decepção dos fãs, mas não único o bastante para se apresentar como uma clara ruptura estilística e temática.
Para começar, Nope não é exatamente um filme de terror. Ele talvez seja um suspense de ficção-científica que tenta, ao menos de início, carregar mais na tensão, mas falta a atmosfera insólita e desconfortável que Get Out tem e que Us até mesmo abusa. Como consequência, este acaba sendo um filme surpreendentemente normal, quase como um Jaws contemporâneo, com direito a todo um confronto final típico desse tipo de filme.
Os paralelos são bastante visíveis. OJ Haywood (Daniel Kaluuya) é um taciturno treinador de cavalos para a indústria cinematográfica que está às voltas com o declínio do negócio da família. Um dia, ele percebe que um estranho fenômeno está acontecendo nas proximidades do seu rancho: de tempos em tempos, um objeto voador não identificado parece sobrevoar a propriedade e assustar seus animais. Percebendo a oportunidade de conseguir fama e fortuna às custas da situação, a irmã de OJ, Emerald (Keke Palmer), bola um plano para filmar o objeto, o que acaba envolvendo o vendedor Angel (Brandon Perea) e um famoso documentarista, Antlers Holst (Michael Wincott).
Com uma história mais direta e sem muitos rodeios, Nope perde a atmosfera desnorteante dos filmes anteriores de Peele. O fato de o “monstro” ser muito mais “caricato”, se é que essa é a palavra certa, torna as coisas menos interessantes do que quando o risco vem pelas mãos de outras pessoas. O trabalho de apresentar essas situações como alegorias e metáforas a questões sociais mais concretas, coisa que o diretor já explorou anteriormente, permanece aqui, porém a mensagem é menos pungente. Além disso, o final não consegue atar o nó simbólico do jeito mais interessante, perdendo-se na grandiosidade da autoindulgência.
Apesar desta crítica, não acho que esse seja um filme ruim. Todo o elenco está fantástico, com performances bastante cheias de nuance e personalidade. Daniel Kaluuya, em especial, apresenta um personagem que é estoico sem ser chato, com razões mais do que suficientes para suas atitudes.
A fotografia do filme também é excelente, cortesia do sempre competente Hoyte Van Hoytema. As vastas paisagens dos cânions californianos mudam de caráter conforme a história precisa, algo que é bastante apropriado para um filme que deixou clara a sua preocupação com uma boa filmagem (dentro e fora da história, devo dizer). Esse é um dos raros casos em que o uso das câmeras de IMAX me parece justificado, não sendo apenas um capricho diretorial.
No frigir dos ovos, Nope é um filme interessante e com boas ideias e visuais, mas acho que falta um pouco mais de substância. Ele é bom nos momentos em que consegue efetivamente criar a tensão do estranho e desconhecido, às vezes até com elementos totalmente descolados da trama principal. Mas, quando a história precisa seguir em frente, muita coisa se perde e Peele apela até mesmo para alguns sustos desnecessários, uma vez que toda a tensão real se desmanchou antes da metade do filme. Assim, o resultado decepciona quando se considera o quão mais ambicioso (e caro) esse filme é se comparado aos outros.
Ou seja, eu esperava que o filme fosse melhor. Os trailers, em um movimento arriscado, venderam uma obra bem mais estranha e única, chegando até mesmo a representar erroneamente certas sequências para amplificar essa impressão. Nada contra brincar com as expectativas do público, mas é preciso entregar algo ainda mais legal para que a surpresa valha a pena, coisa que o longa-metragem não consegue fazer.
Assim, Nope acaba sendo a obra mais fraca na filmografia de Jordan Peele, mas não é desastroso o bastante para decretar a sua derrocada. De qualquer modo, talvez seja válido considerar para o futuro se, para o cineasta, “maior” não acaba sendo o oposto de “melhor”.
Outras divagações:
Get Out
Us
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Todavia, seu filme seguinte não conseguiu o mesmo clamor crítico, a despeito de Us ser uma obra verdadeiramente interessante. Com isso, foi plantada uma semente de dúvida na plateia: seria Peele um cineasta de uma obra só? Um M. Night Shyamalan, sempre fadado a ser comparado com sua filmografia pregressa?
A resposta para essa pergunta é complicada. Ainda que não tenha chegado aos baixos de Shyamalan, Peele não consegue exatamente superar as expectativas colocadas sobre sua própria cabeça. Em um desconfortável ponto de distinção ante suas obras anteriores, Nope é, ao mesmo tempo, diferente demais dos outros filmes, o que pode causar certa decepção dos fãs, mas não único o bastante para se apresentar como uma clara ruptura estilística e temática.
Para começar, Nope não é exatamente um filme de terror. Ele talvez seja um suspense de ficção-científica que tenta, ao menos de início, carregar mais na tensão, mas falta a atmosfera insólita e desconfortável que Get Out tem e que Us até mesmo abusa. Como consequência, este acaba sendo um filme surpreendentemente normal, quase como um Jaws contemporâneo, com direito a todo um confronto final típico desse tipo de filme.
Os paralelos são bastante visíveis. OJ Haywood (Daniel Kaluuya) é um taciturno treinador de cavalos para a indústria cinematográfica que está às voltas com o declínio do negócio da família. Um dia, ele percebe que um estranho fenômeno está acontecendo nas proximidades do seu rancho: de tempos em tempos, um objeto voador não identificado parece sobrevoar a propriedade e assustar seus animais. Percebendo a oportunidade de conseguir fama e fortuna às custas da situação, a irmã de OJ, Emerald (Keke Palmer), bola um plano para filmar o objeto, o que acaba envolvendo o vendedor Angel (Brandon Perea) e um famoso documentarista, Antlers Holst (Michael Wincott).
Com uma história mais direta e sem muitos rodeios, Nope perde a atmosfera desnorteante dos filmes anteriores de Peele. O fato de o “monstro” ser muito mais “caricato”, se é que essa é a palavra certa, torna as coisas menos interessantes do que quando o risco vem pelas mãos de outras pessoas. O trabalho de apresentar essas situações como alegorias e metáforas a questões sociais mais concretas, coisa que o diretor já explorou anteriormente, permanece aqui, porém a mensagem é menos pungente. Além disso, o final não consegue atar o nó simbólico do jeito mais interessante, perdendo-se na grandiosidade da autoindulgência.
Apesar desta crítica, não acho que esse seja um filme ruim. Todo o elenco está fantástico, com performances bastante cheias de nuance e personalidade. Daniel Kaluuya, em especial, apresenta um personagem que é estoico sem ser chato, com razões mais do que suficientes para suas atitudes.
A fotografia do filme também é excelente, cortesia do sempre competente Hoyte Van Hoytema. As vastas paisagens dos cânions californianos mudam de caráter conforme a história precisa, algo que é bastante apropriado para um filme que deixou clara a sua preocupação com uma boa filmagem (dentro e fora da história, devo dizer). Esse é um dos raros casos em que o uso das câmeras de IMAX me parece justificado, não sendo apenas um capricho diretorial.
No frigir dos ovos, Nope é um filme interessante e com boas ideias e visuais, mas acho que falta um pouco mais de substância. Ele é bom nos momentos em que consegue efetivamente criar a tensão do estranho e desconhecido, às vezes até com elementos totalmente descolados da trama principal. Mas, quando a história precisa seguir em frente, muita coisa se perde e Peele apela até mesmo para alguns sustos desnecessários, uma vez que toda a tensão real se desmanchou antes da metade do filme. Assim, o resultado decepciona quando se considera o quão mais ambicioso (e caro) esse filme é se comparado aos outros.
Ou seja, eu esperava que o filme fosse melhor. Os trailers, em um movimento arriscado, venderam uma obra bem mais estranha e única, chegando até mesmo a representar erroneamente certas sequências para amplificar essa impressão. Nada contra brincar com as expectativas do público, mas é preciso entregar algo ainda mais legal para que a surpresa valha a pena, coisa que o longa-metragem não consegue fazer.
Assim, Nope acaba sendo a obra mais fraca na filmografia de Jordan Peele, mas não é desastroso o bastante para decretar a sua derrocada. De qualquer modo, talvez seja válido considerar para o futuro se, para o cineasta, “maior” não acaba sendo o oposto de “melhor”.
Outras divagações:
Get Out
Us
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
0 recados