Divagações: Elemental

Quando o assunto é animação, foi inconcebível por anos (quase duas décadas) que uma obra da Pixar fosse jogada para o segundo plano – como ...

Elemental

Quando o assunto é animação, foi inconcebível por anos (quase duas décadas) que uma obra da Pixar fosse jogada para o segundo plano – como estamos vendo agora. Ao mesmo tempo, fui recentemente “acusado” de ter sido um pouco passional nas minhas divagações sobre Spider-Man: Across the Spider-Verse (mas o filme é bom desse jeito). E isso me fez pensar no porquê de Elemental ter falhado em me cativar.

A princípio, a resposta parece ser bastante simples: a Pixar tem errado onde a Sony Animation acertou. Não se trata apenas de uma “sinergia corporativa” estragando a integridade artística do estúdio – afinal, o cabeça de teia é uma propriedade intelectual tão grande e pronta para ser explorada quanto Toy Story, o que não impediu Lightyear de ser uma tragédia.

Assim, acredito que os resultados questionáveis da Pixar nos últimos anos talvez não sejam culpa da Disney. Talvez seja preciso admitir que os dias de glória já ficaram para trás e que a empresa está mais preocupada em colher os louros do passado do que em tentar inovar. Elemental parece ser um grande reflexo disso.

O filme não é ruim ou problemático, mas ele é indiscutivelmente da Pixar; e é aí que mora o problema. “E se os elementos tivessem sentimentos?”, disse algum executivo em alguma reunião, o que levou à criação deste longa-metragem. Com a Pixar sendo a Pixar, pensaram, é impossível errar, pois basta apenas juntar esta ideia com alguma história de interesse humano e pronto! Em breve, mais um Oscar de melhor animação vai enfeitar as prateleiras do estúdio.

Mas não acho que as coisas estão funcionam assim hoje em dia. Com uma trama claramente inspirada na experiência diaspórica dos asiáticos na América (o que rapidamente também vai chegando à saturação por conta da repetição), Elemental traz a história de Ember (Leah Lewis/Luiza Porto), uma filha de imigrantes do país do fogo na Cidade dos Elementos, uma grande metrópole (Nova York, sem tirar nem pôr) habitada inicialmente por pessoas de água, terra e ar.

Com seu pai, Bernie (Ronnie Del Carmen/André Mattos) já velho e cansado, Ember se prepara para herdar o negócio da família, uma lojinha construída a duras penas em um período quando não havia nenhum outro cidadão de fogo na cidade. Porém, a “cabeça quente” de Ember é um constante empecilho para seu sucesso e o estopim para que ela conheça Wade (Mamoudou Athie/Dláigelles Silva), uma pessoa de água que trabalha para a prefeitura. Inicialmente, Wade se vê em uma posição oposta a Ember, mas ele rapidamente se aproxima dela e a ajuda a descobrir a si mesma, para o descontentamento de Bernie.

Com uma mensagem que já vimos dezenas de vezes e um visual que, embora competente e extremamente polido, não difere muito do padrão Pixar, não dá para deixar de enxergar Elemental como um filme que joga seguro. Desse modo, as comparações – até mesmo com outras obras recentes do estúdio – acabam se mostrando inevitáveis.

História sobre a diáspora asiática, expectativa e trauma geracional? Turning Red fez isso melhor e de modo mais honesto. Metáfora forçada sobre racismo e preconceito e a necessidade de opostos trabalharem juntos? Zootopia foi mais interessante e se aproveitou melhor da estética.

A única coisa que Elemental parece fazer diferente é ter uma estrutura de romance, o que é bastante incomum em filmes de animação. Mesmo assim, a produção não difere muito do esperado e suas tentativas de emocionar vão bem ao estilo do estúdio, o que a essa altura parece emocionalmente manipulativo, ainda que certamente efetivo em deixar parte da plateia embargada.

A premissa das criaturas elementais também não parece acrescentar muito à trama, exceto pelas obviedades visuais. Zootopia, que já mencionei, tinha uma infinidade de animais para criar um cenário variado; aqui, a limitação aos quatro elementos torna a ambientação estranhamente tediosa e mal aproveitada.

Inclusive, sinto que, se o filme se livrasse dessa máscara e fizesse uma história honesta de uma imigrante coreana namorando um rapaz branco e liberal em Nova York, ele talvez fosse mais interessante. Mas suponho que a Pixar tenha pensado que um público mais jovem não tivesse a paciência para esse tipo de história sem cores e efeitos (vai saber!).

Entretanto, é justamente esse tipo de decisão que vai mostrando que os dias do estúdio na vanguarda da animação ocidental já passaram. É difícil se empolgar com o futuro próximo quando parece haver pouca preocupação em tomar riscos narrativos e inovar na estrutura (a confirmação de um Toy Story 5 só reforça essa impressão). E, enquanto isso, a concorrência vai andando a largos passos.

Se a Sony Animation conseguiu se reerguer em cima de um projeto ambicioso, acredito que a Pixar também consiga, mas é preciso sair da zona de conforto e deixar as convenções do estúdio de lado, visual e narrativamente. Agora é a hora de ousar mais porque, sem isso, talvez a Pixar realmente esteja condenada a virar uma subsidiária da Disney produzindo infinitas continuações de Toy Story diretamente para streaming, em um grande desperdício de seu legado.

Outras divagações:
The Good Dinosaur

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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