Divagações: Wicked Little Letters

Nos últimos tempos, eu ando desencantada com as produções que chegam aos cinemas. No entanto, desde seu trailer, Wicked Little Letters rese...

Wicked Little Letters
Nos últimos tempos, eu ando desencantada com as produções que chegam aos cinemas. No entanto, desde seu trailer, Wicked Little Letters reservou um espaço na minha agenda – embora a data exata estivesse um tanto quanto nebulosa naquele momento. Tanto é que ele está em cartaz em apenas uma sala de Curitiba, mas eu consegui deixar a preguiça de lado e fui encarar os preços abusivos dos ingressos (que conseguem ser mais obscenos que o filme).

A história se passa em uma pequena cidade inglesa pouco após o fim da 1ª Guerra Mundial. Edith Swan (Olivia Colman) é uma solteirona que mora com os pais idosos (Timothy Spall e Gemma Jones) e que, embora seja considerada um exemplo de bom comportamento religioso, tem recebido diversas cartas que a xingam usando palavras bem fortes. O desaforo provocado por essas missivas faz com que a família resolva envolver a polícia. Com isso, não demora para que a vizinha irlandesa conhecida por sua boca suja, Rose Gooding (Jessie Buckley) seja indiciada.

A questão é que não demora muito para que a única mulher policial da cidade, Gladys Moss (Anjana Vasan), perceba que Rose não é a culpada. Ela, então, precisa enfrentar seu superior (Paul Chahidi) e seu colega idiota (Hugh Skinner) para investigar o caso por conta própria, eventualmente contando com ajudas inesperadas. O detalhe é que, com o tempo, o episódio começa a ganhar proporção e muitas outras mulheres também passam a receber as tais cartas.

Wicked Little Letters, talvez eu não precise nem dizer, é uma trama sobre mulheres que vivem em um contexto de muita opressão – seja familiar, seja religiosa – acompanhado por um machismo que permeia toda a sociedade. Esse universo de limitações ajuda a construir a história, que é baseada em notícias de jornais da época, funcionando tanto para criar um contraste adequado entre Edith e Rose quanto para estabelecer o próprio humor da obra (e para outras coisas mais, que não vou revelar aqui).

Assim, a comicidade surge tanto pelo linguajar absurdo das cartas quanto pelos exercícios de criatividade que as mulheres precisam fazer para contornar os obstáculos impostos a elas. Ou seja, as risadas podem ser acompanhadas por toques de tristeza e de indignação. Vale acrescentar que tudo é acompanhada por uma deliciosa excentricidade tipicamente inglesa, que consegue ser tímida e desavergonhada ao mesmo tempo.

Infelizmente, o mistério em si tem uma solução relativamente fácil e que não é mantida em segredo por muito tempo. Wicked Little Letters, então, passa a retratar uma espécie de jogo de gato e rato, onde parte das motivações das personagens é jogada pela janela em prol da perseguição em si. Mas suponho que, quando se está nesse ponto, a estrutura já está bem estabelecida e é chegado o momento de apenas se divertir com o desenrolar das coisas.

Sob a direção de Thea Sharrock, a produção tem seus deslizes, mas se sustenta em um patamar relativamente alto graças à boa caracterização (os cenários e os figurinos são excelentes) e, principalmente, ao elenco. Jessie Buckley e Olivia Colman, que interpretaram a mesma personagem em The Lost Daughter, agora se contrastam e se completam muito bem, expondo diferentes realidades femininas de um mesmo tempo e local. Já Timothy Spall consegue ser simultaneamente autoritário, cruel e patético.

Wicked Little Letters pode não ser um grande filme, daqueles que fazem barulho nas temporadas de premiações, mas é uma produção divertida e esperta. Com isso, o filme entrega entretenimento para quem quer manter o cérebro ligado durante a sessão.

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