Divagações: Les quatre cents coups

Quando você decide ver uma obra como Les quatre cents coups , os detalhes saltam aos olhos. Por não se tratar de um filme complexo, cheio de...

Les quatre cents coups
Quando você decide ver uma obra como Les quatre cents coups, os detalhes saltam aos olhos. Por não se tratar de um filme complexo, cheio de reviravoltas ou com elementos a desvendar, ele mantém a atenção por ser algo delicado e pessoal. É perceptível o elemento nostálgico nesse retrato de uma juventude perdida em meio a uma carência afetiva e uma incompreensão do “mundo dos adultos”, baseado na vivência do próprio cineasta.

Com direção e roteiro de François Truffaut, a produção acompanha um momento de mudanças na vida de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud). Aos 14 anos, ele vive um período complicado em casa, sendo frequentemente negligenciado pela mãe (Claire Maurier) e tendo uma convivência complicada com o padrasto (Albert Rémy) – algo acentuado por uma situação financeira precária.

Para completar, o menino tem dificuldades na escola e vive entrando em atritos com o professor (Guy Decomble). Sua única escapatória, então, surge com a amizade com René Bigey (Patrick Auffay), que o acompanha em fugas da escola e pequenos delitos. Porém, quando a vida na rua começa a ter mais apelo, um único erro faz com que Antoine acabe sendo institucionalizado.

Assim, Les quatre cents coups depende muito de seu jovem protagonista para funcionar. É ele quem carrega o aspecto emocional do longa-metragem, precisando mostrar vulnerabilidade sem se entregar a ela. O equilíbrio entre a compreensão daquilo que o cerca e a ingenuidade infantil garante que o público se mantenha envolvido com o garoto, mesmo diante de suas escolhas questionáveis (ou, talvez, justamente por conta delas).

Jean-Pierre Léaud, aliás, conseguiu fazer isso tão bem que o diretor pediu a seu jovem ator que improvisasse muitas cenas, com destaque para as consultas com a psicóloga. Nos anos que se seguiram, ele e Truffaut continuaram a trabalhar juntos.

Construído com simplicidade e carinho, Les quatre cents coups parece reunir uma série de momentos que não vão para lugar nenhum. A princípio, é difícil dizer como a produção vai terminar, o que poderia concluir aquela história (exceto algo trágico?). Entretanto, em retrospecto, nenhuma sequência parece desnecessária. Cada cena ajuda a construir o protagonista, que caminha para um destino ainda em aberto.

A verdade é que, em meio a obras com enfoques similares e histórias mais dramáticas, essa produção pode não ter um apelo muito forte. Ainda assim, acredito que a simplicidade traz um efeito único – mesmo se tratando de uma versão ficcional da juventude do cineasta, ela soa como algo honesto. Não há heróis, vilões e nem mesmo vítimas. Principalmente, não há uma manipulação do público em busca de lágrimas ou em defesa do protagonista; ele é quem ele é.

Inclusive, Les quatre cents coups é um filme intrinsecamente francês e que retrata uma época específica. Mesmo tendo um contexto muito específico, o longa-metragem faz com que seja fácil empatizar com o protagonista, pois ele é apenas um menino que se sente totalmente incompreendido. Eu não vivi nada parecido com o que é retratado, mas eu entendi aquele garoto e seus passos.

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