Divagações: Human Flow
14.11.17
Human Flow é um documentário que não esconde suas aspirações como uma obra com ideologia forte e uma mensagem a ser passada. Fruto do trabalho de Ai Weiwei, artista plástico chinês e ativista político, esse longa-metragem sobre migrações não pretende em nenhum momento se esconder sob uma fachada de pretensa neutralidade, mas sim entregar um retrato contundente da situação de absoluto desamparo que milhões de pessoas passam após serem retiradas dos seus lares por crises políticas e econômicas.
Filmado durante um ano e em diversos lugares do mundo – da Grécia a Gaza, da Macedônia ao México –, Human Flow encara de frente uma das maiores preocupações dos países desenvolvidos na atualidade: o intenso fluxo migratório causado por refugiados e como essas situações foram exacerbadas na última década. Com um trabalho de campo que acompanha a vida em vários desses acampamentos, muitos deles clandestinos e extremamente precários, Ai Weiwei vai montando um panorama da crise migratória na Europa e como isso afeta sobretudo os mais vulneráveis, ou seja, os próprios refugiados.
Assim, já fica claro que o documentário tem uma preocupação muito mais emotiva e estética do que exatamente de estabelecer uma visão completa da situação. O olhar do documentarista está muito mais focado em estabelecer o quanto a situação é grave para os refugiados do que em realmente retratar o porquê de certas medidas xenofóbicas (como o fechamento de fronteiras) foram implementadas recentemente nos lugares pelos quais ele passou. Com isso, o filme se torna um pouco lacônico, uma vez que ele se concentra muito mais no meio do que na própria mensagem.
Weiwei tenta transformar a miséria e a resiliência humana em algo poético (o que é sempre algo questionável) e, como artista, ele consegue captar bem a desolação e o desespero dos refugiados. Porém, isso acaba acontecendo ao custo do ritmo do filme – assombrado por sequências morosas e silenciosas de contemplação – e da própria profundidade do debate, que muitas vezes acaba sendo traduzida em tela como uma questão simples, onde a boa vontade humana e a empatia seriam capazes de resolver toda a questão.
Em uma perspectiva pragmática, isso soa como algo muito ingênuo e longe da realidade. Além de, é claro, prejudicar muito a sua mensagem do filme, pois não existem muitos argumentos que consigam efetivamente convencer quem está “do outro lado” da situação – ou seja, aqueles que atualmente defendem perspectivas mais nacionalistas – de que todas estas pessoas apresentadas ‘merecem’ uma chance de viver com dignidade em outros lugares.
Dessa maneira, o documentário se torna panfletário para quem acredita na causa e defende que a situação dos refugiados é absolutamente grave e precisa ser encarada pelos governos nacionais. Human Flow falha justamente onde outros documentários com agendas bem definidas (como o famoso An Inconvenient Truth) acertaram, pois não é capaz de ‘converter’ ninguém para a sua causa, o que esvazia um pouco a sua razão de ser.
Contudo, Weiwei não tenta minimizar o problema e, talvez, sua abordagem de “mostrar e não contar” tenha seus méritos. Porém, já parece ser um fato estabelecido que ela não vai conseguir trazer essa mensagem para o mainstream. De qualquer modo, ainda que ele não seja exatamente capaz de cumprir essas pretensões, é importante que Human Flow exista e é bastante surpreendente que tenha chegado aos cinemas brasileiros. As situações e mudanças pelas quais a comunidade global vem passando têm que ser registradas e discutidas. Mesmo não aprofundando muito o debate, esse filme pelo menos pode gerar algumas reflexões e mostrar que o problema migratório é muito mais profundo e multifacetado do que aparenta ser.
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Filmado durante um ano e em diversos lugares do mundo – da Grécia a Gaza, da Macedônia ao México –, Human Flow encara de frente uma das maiores preocupações dos países desenvolvidos na atualidade: o intenso fluxo migratório causado por refugiados e como essas situações foram exacerbadas na última década. Com um trabalho de campo que acompanha a vida em vários desses acampamentos, muitos deles clandestinos e extremamente precários, Ai Weiwei vai montando um panorama da crise migratória na Europa e como isso afeta sobretudo os mais vulneráveis, ou seja, os próprios refugiados.
Assim, já fica claro que o documentário tem uma preocupação muito mais emotiva e estética do que exatamente de estabelecer uma visão completa da situação. O olhar do documentarista está muito mais focado em estabelecer o quanto a situação é grave para os refugiados do que em realmente retratar o porquê de certas medidas xenofóbicas (como o fechamento de fronteiras) foram implementadas recentemente nos lugares pelos quais ele passou. Com isso, o filme se torna um pouco lacônico, uma vez que ele se concentra muito mais no meio do que na própria mensagem.
Weiwei tenta transformar a miséria e a resiliência humana em algo poético (o que é sempre algo questionável) e, como artista, ele consegue captar bem a desolação e o desespero dos refugiados. Porém, isso acaba acontecendo ao custo do ritmo do filme – assombrado por sequências morosas e silenciosas de contemplação – e da própria profundidade do debate, que muitas vezes acaba sendo traduzida em tela como uma questão simples, onde a boa vontade humana e a empatia seriam capazes de resolver toda a questão.
Em uma perspectiva pragmática, isso soa como algo muito ingênuo e longe da realidade. Além de, é claro, prejudicar muito a sua mensagem do filme, pois não existem muitos argumentos que consigam efetivamente convencer quem está “do outro lado” da situação – ou seja, aqueles que atualmente defendem perspectivas mais nacionalistas – de que todas estas pessoas apresentadas ‘merecem’ uma chance de viver com dignidade em outros lugares.
Dessa maneira, o documentário se torna panfletário para quem acredita na causa e defende que a situação dos refugiados é absolutamente grave e precisa ser encarada pelos governos nacionais. Human Flow falha justamente onde outros documentários com agendas bem definidas (como o famoso An Inconvenient Truth) acertaram, pois não é capaz de ‘converter’ ninguém para a sua causa, o que esvazia um pouco a sua razão de ser.
Contudo, Weiwei não tenta minimizar o problema e, talvez, sua abordagem de “mostrar e não contar” tenha seus méritos. Porém, já parece ser um fato estabelecido que ela não vai conseguir trazer essa mensagem para o mainstream. De qualquer modo, ainda que ele não seja exatamente capaz de cumprir essas pretensões, é importante que Human Flow exista e é bastante surpreendente que tenha chegado aos cinemas brasileiros. As situações e mudanças pelas quais a comunidade global vem passando têm que ser registradas e discutidas. Mesmo não aprofundando muito o debate, esse filme pelo menos pode gerar algumas reflexões e mostrar que o problema migratório é muito mais profundo e multifacetado do que aparenta ser.
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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