Divagações: Trainwreck

Amy Schumer é uma comediante que representa um estilo de vida. Acompanhada por uma boa dose de palavrões, ela fala de sexualidade, sexo e...

Amy Schumer é uma comediante que representa um estilo de vida. Acompanhada por uma boa dose de palavrões, ela fala de sexualidade, sexo e sexo casual com frequência, brinca com as expectativas sobre a aparência feminina e a desigualdade de gêneros e ri das pessoas com ‘vidas sem graça’. Assim, sua primeira incursão como roteirista e protagonista de um longa-metragem para o cinema gerou muitas expectativas.

Trainwreck tem uma premissa básica que faz muito sentido com o senso de humor de Schumer. Logo no começo do longa-metragem vemos duas meninas ouvindo a versão de seu pai (Colin Quinn) a respeito do divórcio. Por meio de uma alegoria – querer brincar com várias bonecas –, ele explica a ambas que a monogamia é um conceito impossível de ser seguido. Elas, inclusive, chegam a repetir: “a monogamia não é realística”.

Muitos anos depois, as irmãs tomaram dois caminhos bem diferentes. Kim (Brie Larson) está casada, grávida e trata seu enteado como filho. Já Amy tem um namorado (John Cena), mas eles não são exclusivos, ao menos de acordo com ela. Ela gosta de sair para beber e conhecer novas pessoas, mas se recusa a passar a noite toda com alguém, pois tem medo que isso afete sua liberdade.

Amy trabalha em uma revista focada em comportamento, mas não leva seu emprego muito a sério e odeia sua chefe (Tilda Swinton) – o que não quer dizer que ela não esteja interessada em uma promoção. Antes de subir na carreira, contudo, Amy precisa escrever um artigo sobre um médico, Aaron (Bill Hader), que é especializado em atletas. Como ela não entende nada de esportes, o entrevistado, com muita paciência, a leva para seu mundo e, aos poucos, os dois acabam se envolvendo romanticamente. Ainda que um pouco assustada, Amy se deixa levar, mas os dois levam estilos de vida bastante incompatíveis e surgem atritos.

Até aí está tudo bem. A questão é que Trainwreck não é exatamente sobre um trem desgovernado, mas sobre alguém finalmente entrando nos trilhos da sociedade careta. Embora Kim, seus amigos e sua família sejam retratados como pessoas patéticas e sem graça, é a eles que Amy recorre com frequência e é esse estilo de vida que, no final das contas, é tido como ‘certo’ e ‘desejado’. O encontro com Aaron representa simplesmente a entrada definitiva da protagonista nesse mundo de pessoas ‘que sabem para onde estão indo’.

Essa perspectiva, aliás, fica demarcada ainda mais fortemente pelos subsequentes comentários racistas de seu pai e seu falecimento. A filha que levou o ensinamento do pai a sério vai, a cada nova cena, deixando para trás o mundo onde “a monogamia não é realística” e a velha instrução passa a ser vista como algo ultrapassado e até mesmo perigoso. Sinceramente, não há nada errado em querer passar essa mensagem. Mas confesso que não era isso o que eu esperava de Amy Schumer.

Assim, para quem esperava uma comédia diferente e que enaltecesse o empoderamento feminino, Trainwreck acaba decepcionando. Quem quiser apenas rir das bobagens que saem da mente criativa de Schumer vai se divertir com certeza, mas a história perde valor no processo. Há muitas piadas sobre sexo e sobre sexualidade, ainda que o filme acabe sendo apenas mais uma comédia romântica tradicional, inclusive mais comum do que a maior parte das produções que levam o nome do diretor Judd Apatow.

No fim do dia, por mais que tenha me feito rir em muitos momentos e que tenha dado um passo na direção certa, Trainwreck não é exatamente a comédia que eu queria ver. Um filme que, acima de tudo, enaltece a liberdade feminina e que não julga suas personagens. Vai ficar para a próxima.

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