Divagações: Le Redoutable
2.11.17
Falar de um filme sobre Jean-Luc Godard, um dos maiores nomes da história do cinema, traz consigo uma grande responsabilidade. Afinal, não basta fazer comentários sobre a obra de modo individual, mas também é preciso observar se ela fez jus ao nome que representa, se foi justa em suas avaliações e se conseguiu capturar o que torna o cineasta uma figura interessante. Para piorar, cinema sobre cinema sempre corre o risco de soar autocongratulatório demais ou crítico demais, então, a atenção tem que ser dobrada. Isso me colocou em uma situação complicada frente a Le Redoutable – ainda mais considerando que o próprio Godard não simpatizou muito com a ideia do filme.
Baseado no livro de Anne Wiazemsky, ex-esposa do cineasta, Le Redoutable trata um pouco da vida dos dois durante o auge da fama do diretor, que coincidiu com o período conturbado em que os franceses foram às ruas pedir a saída do general Charles de Gaulle do governo. Começando em 1967, quando Jean-Luc Godard (Louis Garrel) estava terminando de filmar La Chinoise, o filme acompanha o cineasta e seu casamento com a jovem atriz Anne (Stacy Martin), seus altos e baixos e a radicalização de Godard para o maoísmo, abordando como isso afetou seu casamento e a interação com todos ao seu redor, incluindo sua amiga de longa data Michèle Rosier (Bérénice Bejo).
Assim, o filme é muito mais um estudo do colapso do casamento dos protagonistas do que uma cinebiografia tradicional – mesmo sendo interessante, isso acaba afastando quem preferiria uma visão mais ampla. Para completar, o roteiro se baseia na visão de apenas uma das partes de uma relação conflituosa, de modo que sua versão dos fatos é um tanto quanto parcial. Infelizmente (ou felizmente), não sei muito da vida privada do Godard, mas é perceptível que alguns acontecimentos foram omitidos para enfatizar o drama da situação.
Entretanto, Le Redoutable não perde o tom por conta disso. A direção e o roteiro de Michel Hazanavicius dão uma dinamicidade e uma leveza à obra que, a despeito de seus temas, consegue ser engraçada e instigante. Isso é acompanhado de uma boa edição que marca os momentos do filme muito bem e dá uma cara bem única a ele. A metalinguagem que o diretor já havia mostrado em The Artist volta à cena e existem momentos em que a quarta parede fica próxima ao colapso, gerando alguns dos melhores momentos do filme – sobretudo para quem gosta de cinema e de explorar a linguagem cinematográfica.
E falando em linguagem, Hazanavicius dá um tom meio nouvelle vague, com cortes, transições de cena e seu uso de narração, o que é – pelo menos estilisticamente – um bom tributo ao cineasta. Mesmo que em termos do conteúdo isso talvez se mostre um desserviço, é bom ver que todos os problemas que esse tipo de história poderia trazer foram contornados com habilidade, de modo que o resultado final é melhor do que eu poderia esperar a partir do conceito.
Aliás, como é inevitável quando se trata de Godard, o filme tem certo teor político. Contudo, por mais que o cineasta tenha ideias políticas bastante fortes, Le Redoutable as explora de modo muito fraco e até mesmo um pouco caricato – o que pode soar um pouco ofensivo em alguns momentos devido à ótica adotada pelo longa. Ainda assim, por sempre tentar manter o tom (que chega a ser até mesmo lúdico), isso não chega a ser um enorme problema.
De qualquer modo, considerando seu tema, Le Redoutable não é uma produção de grande circuito e nem uma obra com um apelo universal. Mas isso não significa que seja um filme complicado ou denso, pois, mesmo tratando de assuntos que em outras mãos poderiam ser bem pesados – como política, relacionamentos abusivos e suicídio –, o longa-metragem consegue ser leve e divertido. Só não se engane: o filme também não simplifica nada e nem subestima a inteligência do espectador em momento algum.
Se você tem admiração pelo cinema e pela obra de Godard ou só curiosidade para ver o que Michel Hazanavicius anda fazendo depois de The Artist, Le Redoutable é bastante recomendável.
Outras divagações:
The Artist
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Baseado no livro de Anne Wiazemsky, ex-esposa do cineasta, Le Redoutable trata um pouco da vida dos dois durante o auge da fama do diretor, que coincidiu com o período conturbado em que os franceses foram às ruas pedir a saída do general Charles de Gaulle do governo. Começando em 1967, quando Jean-Luc Godard (Louis Garrel) estava terminando de filmar La Chinoise, o filme acompanha o cineasta e seu casamento com a jovem atriz Anne (Stacy Martin), seus altos e baixos e a radicalização de Godard para o maoísmo, abordando como isso afetou seu casamento e a interação com todos ao seu redor, incluindo sua amiga de longa data Michèle Rosier (Bérénice Bejo).
Assim, o filme é muito mais um estudo do colapso do casamento dos protagonistas do que uma cinebiografia tradicional – mesmo sendo interessante, isso acaba afastando quem preferiria uma visão mais ampla. Para completar, o roteiro se baseia na visão de apenas uma das partes de uma relação conflituosa, de modo que sua versão dos fatos é um tanto quanto parcial. Infelizmente (ou felizmente), não sei muito da vida privada do Godard, mas é perceptível que alguns acontecimentos foram omitidos para enfatizar o drama da situação.
Entretanto, Le Redoutable não perde o tom por conta disso. A direção e o roteiro de Michel Hazanavicius dão uma dinamicidade e uma leveza à obra que, a despeito de seus temas, consegue ser engraçada e instigante. Isso é acompanhado de uma boa edição que marca os momentos do filme muito bem e dá uma cara bem única a ele. A metalinguagem que o diretor já havia mostrado em The Artist volta à cena e existem momentos em que a quarta parede fica próxima ao colapso, gerando alguns dos melhores momentos do filme – sobretudo para quem gosta de cinema e de explorar a linguagem cinematográfica.
E falando em linguagem, Hazanavicius dá um tom meio nouvelle vague, com cortes, transições de cena e seu uso de narração, o que é – pelo menos estilisticamente – um bom tributo ao cineasta. Mesmo que em termos do conteúdo isso talvez se mostre um desserviço, é bom ver que todos os problemas que esse tipo de história poderia trazer foram contornados com habilidade, de modo que o resultado final é melhor do que eu poderia esperar a partir do conceito.
Aliás, como é inevitável quando se trata de Godard, o filme tem certo teor político. Contudo, por mais que o cineasta tenha ideias políticas bastante fortes, Le Redoutable as explora de modo muito fraco e até mesmo um pouco caricato – o que pode soar um pouco ofensivo em alguns momentos devido à ótica adotada pelo longa. Ainda assim, por sempre tentar manter o tom (que chega a ser até mesmo lúdico), isso não chega a ser um enorme problema.
De qualquer modo, considerando seu tema, Le Redoutable não é uma produção de grande circuito e nem uma obra com um apelo universal. Mas isso não significa que seja um filme complicado ou denso, pois, mesmo tratando de assuntos que em outras mãos poderiam ser bem pesados – como política, relacionamentos abusivos e suicídio –, o longa-metragem consegue ser leve e divertido. Só não se engane: o filme também não simplifica nada e nem subestima a inteligência do espectador em momento algum.
Se você tem admiração pelo cinema e pela obra de Godard ou só curiosidade para ver o que Michel Hazanavicius anda fazendo depois de The Artist, Le Redoutable é bastante recomendável.
Outras divagações:
The Artist
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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