Divagações: Black Adam

A Warner e a DC parecem não decidir o que querem fazer com suas propriedades no cinema. Há alguns acertos – ou seja, filmes que parecem es...

Black Adam
A Warner e a DC parecem não decidir o que querem fazer com suas propriedades no cinema. Há alguns acertos – ou seja, filmes que parecem escapar da maldição autoimposta de querer se igualar a sua rival histórica – quando o estúdio decide abandonar o molde de universo interconectado em prol de histórias mais contidas e com identidades próprias, como foi o caso de The Batman. Mas sempre ocorre aquela volta titubeante ao conceito anterior, sem um plano concreto além de “vai que agora dá certo”.

Embora algumas destas iniciativas, como The Suicide Squad e a série que se originou dele, parecessem estar indo em uma boa direção ao unir um clima único à mitologia do universo, as guinadas na direção da franquia são capazes de deixar qualquer um desorientado. A nova política de conteúdo da empresa, após sua fusão com a Discovery, deixou um rastro de filmes cancelados aos 45 do segundo tempo e uma clara impressão de que os executivos querem correr os menores riscos possíveis.

Em meio a tudo isso, por mais que Black Adam tenha sido concebido antes mesmo dessa fase chegar à fruição, a produção parece em casa. Bebendo da mesma mitologia de Shazam! (e com uma ou duas referências mais explícitas), o longa-metragem tem uma história de origem sem grandes ligações diretas com os outros filmes da DC.

A trama é centrada no retorno de Thet Adam (Dwayne Johnson), um herói histórico da nação de Kahndaq, aos dias modernos depois de um sumiço de milhares de anos. Thet Adam é acordado pela arqueóloga Adrianna (Sarah Shahi), que buscava proteger um artefato místico da antiguidade da Intergangue (talvez o nome mais pueril para uma organização paramilitar já criado), os mais recentes ocupantes de Kahndaq.

O problema é que o aparecimento repentino de um sujeito superpoderoso acaba chamando a atenção da velha conhecida Amanda Waller (Viola Davis). Ela, então, convoca os heróis da Sociedade da Justiça – Hawkman (Aldis Hodge), Doctor Fate (Pierce Brosnan), Cyclone (Quintessa Swindell) e Atom Smasher (Noah Centineo) – para parar essa nova potencial ameaça.

Entretanto, isso acaba sendo apenas um veículo para que Dwayne Johnson faça suas caras e bocas enquanto voa para lá e para cá em uma tela verde. Thet Adam é um personagem de uma nota só: mesmo protagonizando alguns momentos divertidos, especialmente quando está aniquilando brutalmente pelotões de mercenários sem rosto, ele parece se esforçar demais para ser o arquétipo do machão silencioso. O pouco de vulnerabilidade que o personagem apresenta não chega a compensar por todos os outros momentos.

Isso faz com que ele perca protagonismo no próprio filme. Inclusive, admito que me diverti mais quando a Sociedade da Justiça estava no centro da ação, ainda que com sérias ressalvas, já que a maneira com que os personagens são escritos parece ser uma cópia barata de algo que a Marvel colocaria nos cinemas.

Apesar de tudo, o meu lado fã não consegue deixar de achar legal finalmente ver esses heróis clássicos nas telas do cinema. Em especial, destaco Doctor Fate que, mesmo parecendo um carbono do feiticeiro supremo da Marvel, protagoniza os melhores momentos do filme.

De resto, não consigo ver muitas coisas que já não tenham sido melhores executadas anteriormente. Nada é exatamente original ou consegue quebrar qualquer molde dos filmes do gênero, oscilando entre o agressivamente medíocre e o tedioso. Claro que há momentos que funcionam a despeito de todo o resto, especialmente quando o filme deixa qualquer pretensão de lado, mas elas nunca conseguem ganhar uma centralidade em meio a uma produção que carece de qualquer traço mais forte de ambição ou autoria.

O detalhe é que Black Adam acena para discussões realmente instigantes e que ainda não foram bem tratadas nas dezenas de filmes de heróis que tivemos nas últimas décadas (nem mesmo em Watchmen, que talvez seja o mais próximo destas questões). Como se configura o neocolonialismo quando países centrais tem acesso a indivíduos superpoderosos? Podemos falar em “heróis” quando essas pessoas não fazem nada além de manter uma paz que é fundamentada na subalternidade de países periféricos?

Porém, o filme não faz absolutamente nada com isso. Não que eu esperasse que um filme estrelado por The Rock fosse seriamente abordar questões como estas, mas o fato delas existirem desse modo desastrado e indeciso é até pior.

Pessoalmente, não considero Black Adam como um filme terrível a ponto de precisar ser ignorado – ele talvez seja perfeitamente aceitável para aqueles que só queiram ver um filme de (anti) herói básico e sem muitas firulas. Além disso, Dwayne Johnson pode ter seu público cativo. Do meu lado, talvez eu tenha uma tolerância maior a esse tipo de coisa (desenvolvida por anos lendo quadrinhos que também não eram lá muito incríveis).

Mas, para todo mundo que já se considera saturado com o gênero, esta produção não faz nenhum favor. Pelo contrário, o filme serve como uma manifestação bastante concreta desse deserto criativo hollywoodiano e do quanto uma renovação é necessária.

Outras divagações:
Man of Steel
Batman v Superman: Dawn of Justice
The Batman
Suicide Squad
Birds of Prey: And the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn
Wonder Woman
Justice League
Aquaman
Shazam!
Joker

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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