Divagações: Babylon

Tanto com Whiplash quanto com La La Land , Damien Chazelle nos pergunta: é possível amar a arte apesar de todos os problemas necessários p...

Babylon
Tanto com Whiplash quanto com La La Land, Damien Chazelle nos pergunta: é possível amar a arte apesar de todos os problemas necessários para a sua criação? É possível, como ele mesmo diz, amar o cinema, mas odiar Hollywood (mesmo fazendo parte desse sistema)? Essa paradoxal e desconfortável relação volta com ainda mais força em seu novo filme, Babylon.

A produção se centra nos excessos e nas fundações podres da indústria cinematográfica norte-americana e, com isso, explora aqueles que foram deixados para trás por ela. De certa forma, trata-se de uma versão mais cínica – mas não menos apaixonada – do clássico Singin' in the Rain.

Com uma história que se passa durante a transição do cinema mudo para o falado, Babylon acompanha a ascensão e a queda de diversos personagens dessa Hollywood efervescente e desenfreada. Manny Torres (Diego Calva) é um imigrante mexicano com ambições de fazer seu nome da indústria; Nellie LaRoy (Margot Robbie) é uma atriz aspirante de poucos modos e muitos vícios e que procura desesperadamente sua chance ao estrelato; Jack Conrad (Brad Pitt) é um galã do cinema mudo no auge de sua fama; e Sidney Palmer (Jovan Adepo) é um talentoso jazzista negro que luta contra a falta de reconhecimento. Eles e muitos outros compõem um mosaico diverso e colorido de personagens e personalidades que se chocam e cruzam nestes anos em que a indústria se transformou completamente.

Com um elenco extenso e de peso, é curiosa a escolha por um ator quase desconhecido do público americano como Diego Calva para ser o grande protagonista. Porém, ele se segura muito bem e consegue, com uma atuação contida e mais silenciosa, complementar a performance mais chamativa de Margot Robbie. Ela, apesar de encarnar um papel similar ao que já vimos antes, consegue ter lampejos de brilhantismo e vender a ideia do filme, especialmente quando o outro grande nome, Brad Pitt, não tem um personagem tão interessante ou instigante.

Ainda que a produção pareça ser um desenvolvimento natural das ideias de Chazelle depois de evocar esses sentimentos da “era de ouro” de Hollywood com La La Land, é necessário dizer que a situação é invertida. A ideia para Babylon parece preceder todo o trabalho dele com o musical. No momento em que o filme foi idealizado, talvez não fosse possível ou responsável entregar o projeto na mão de um diretor inexperiente, mas cá estamos. De lá para cá, Chazelle se tornou um dos profissionais mais benquistos de Hollywood e parece ter recebido um cheque em branco para realizar o longa-metragem que desejou.

Essa liberdade é bastante aparente. Em um exercício completo de autoindulgência, não faltam adjetivos para definir Babylon: ambicioso, bombástico, intenso. Ainda assim, é muito difícil expressar em palavras exatamente o que esse filme é, e o tipo de energia maníaca que o permeia. Contra todas as suas chances, essa bagunça completa se transforma em algo sublime, com suas frenéticas sequências lindamente filmadas, que capturam a devassidão da indústria cinematográfica americana no auge dos “roaring 20’s”.

Além disso, tudo é embalado por uma trilha sonora absolutamente fantástica, assinada por Justin Hurwitz, parceiro de longa data de Chazelle. O som é marcado por um jazz explosivo e que acompanha perfeitamente a cadência febril do filme.

Por conta disso, Babylon é uma experiência cinematográfica como poucas outras. Em seus melhores momentos, parece passar como uma tempestade que arranca tudo em seu caminho e deixa uma paisagem completamente mudada do outro lado. Não tenho pudor algum em afirmar que, para mim, se o filme todo contasse com a qualidade de seus picos, haveria aqui um novo clássico do cinema, daqueles que são constantemente lembrados e referenciados.

Entretanto, não sei se esse é o caso. Afinal, é justamente essa característica que acaba sendo o calcanhar de Aquiles do filme, que se vê tragicamente esmagado por suas próprias ambições. Em vez de trazer um recorte mais pungente, firme e emocionalmente satisfatório da história, o roteiro se perde por falar demais sobre muita coisa. Ao nos atacar desde o primeiro minuto com todas as suas forças, em uma demonstração apoteótica de sua mensagem central, Babylon chega ao seu último ato quase sem fôlego, tendo esgotado suas surpresas e seu impacto muito antes do seu clímax emocional. O longa-metragem até ensaia um retorno aos 45 do segundo tempo, mas tropeça em sua própria mensagem.

Ainda assim, isso talvez essa tenha sido uma escolha proposital. Talvez seja a forma de Chazelle representar o fim de uma era com a resignação silenciosa de que as coisas nunca serão tão boas quanto já foram – e que a bagunça inchada de Babylon é um espelho de Hollywood. Mas um pecado é um pecado. Este seria um filme melhor e mais engajante se houvesse um foco em vez de tiros para todos os lados, se fosse destilada uma excelente história no lugar de quatro que são apenas boas.

Ao não escolher suas batalhas, Babylon só ganha por pontos o que poderia ter sido um nocaute. É uma pena, já que esse é um dos filmes mais interessantes que vi em muito tempo. Mesmo seu potencial desperdiçado para a grandeza não muda este fato.

Outras divagações:
Whiplash
La La Land
First Man

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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