Divagações: Sinners

Sinners

Ainda que Ryan Coogler tenha despontado na última década como um diretor surpreendentemente competente, ele me parecia preso demais ao “maquinário corporativo” das grandes franquias para ser considerado um “diretor sério”. Inclusive, não ajuda em nada o fato de que as sequências de seus filmes mais aclamados se mostraram consideravelmente menos empolgantes, colocando em dúvida a sua verdadeira capacidade.

Sinners, desta forma, veio para mostrar o que Coogler pode fazer com a liberdade de uma obra original. Sinceramente, mesmo com falhas e esquisitices, este é um filme fresco e interessante, permitindo que eu dê um voto de confiança ao diretor. Aliás, se você não sabe nada sobre o filme, recomendo que ele seja visto as cegas: vai lá e assiste. Mas, para quem precisa ser convencido, vou tentar vender o peixe.

Passado nos anos 1930, no sul dos Estados Unidos, Sinners acompanha uma série de personagens. Sammie (Miles Caton) é um jovem rapaz com grande talento musical, que sonha em sair das plantações de algodão e da discriminação que sofre na região. Já seus primos, os gêmeos Smoke e Stack (ambos interpretados por Michael B. Jordan), acabaram de retornar de Chicago para a terra natal depois de quase uma década realizando trabalhos questionáveis para a máfia.

Os irmãos têm a intenção de abrir um clube de blues na cidade e recrutam Sammie e outros velhos conhecidos para a empreitada. Porém, quando a noite de inauguração chega, eles descobrem que terão que lidar com um mal muito maior do que aquele que está meramente em seus passados.

Com um senso estético e narrativo muito certo de si – brincando com formatos e sobretudo com os elementos musicais –, Sinners é uma experiência elétrica. Esse é aquele tipo de espetáculo que não se perde no escopo ou tenta escalar mais do que precisa, mas vai com tudo o que tem o tempo todo. Às vezes, a produção bota um pezinho no exploitaiton, mas sinto que é intencional o bastante para deixar passar; o ímpeto e a sinceridade do filme são contagiantes o suficiente para afogar muitas coisas que ficariam evidentes em obras menos empolgantes.

Para isso, Coogler trabalha com elementos da cultura negra americana que já são mais do que frequentes em seus filmes – mas nenhum deles trouxe uma reflexão tão interessante sobre o tema quanto a que é vista aqui. Mesmo os elementos mais fantásticos e absurdos não reduzem o fato de que esse é um comentário pungente da experiência negra no período Jim Crow, com a discriminação e as dinâmicas sociais de raça sendo presentes e constantes. E sem que o filme precise bater nessa tecla o tempo todo.

Obviamente, o filme poderia funcionar bem sem seus elementos sobrenaturais, afinal, o primeiro ato mostra que a história se sustenta adequadamente dessa maneira (inclusive as transições de ato são bombásticas e me deixaram boquiaberto; mais um ponto para a obra). Ainda assim, é a mistureba conceitual e ambiciosa que torna Sinners admirável em um cenário de adaptações, franquias e continuações, especialmente pelo esforço demandado para convencer a Warner a investir em um filme high concept de época.

Com performances e um senso estilístico fortes; uma direção que me fez acreditar no potencial de Coogler para escrever e dirigir coisas interessantes; e um tom que não se leva a sério, mas ao mesmo tempo é produto de um esforço completamente sério, este é o melhor tipo de cinema pipoca. É entretenimento puro sem ser estúpido, preguiçoso ou derivativo, e espero que seja um sucesso absurdo para que Hollywood acredite (nem que seja um pouquinho) em tomar riscos e ousar. Sinners certamente ousa e estamos todos melhores por isso.

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Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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