Divagações: Vitória

Vitória
Acho que o Brasil ainda nem se recuperou direito da corrida que levou Ainda Estou Aqui ao Oscar de Melhor Filme Internacional, mas já tem gente falando em levar Vitória para a competição do ano que vem. Sinceramente, não sei dizer se a produção tem chances, mas é inegável que ela tem pedigree.

Com direção de Andrucha Waddington (que assumiu a produção após Breno Silveira falecer no primeiro dia de filmagem), o filme conta a história de Nina (Fernanda Montenegro), uma idosa não muito diferente de tantas outras que você já conheceu. Ela é meio atrapalhada com as compras e, por isso, pede ajuda para um menino pedinte (Thawan Lucas); faz uns comentários sem noção; ainda precisa trabalhar duro para pagar as contas; e tem um passado cheio de sofrimentos.

O detalhe é que, da janela de seu apartamento, Nina também vê a crescente violência da favela que surgiu do outro lado da rua – quando ela chegou, obviamente, era tudo mato. Indignada com a falta de ação de seus vizinhos e com o descaso da polícia, ela decide comprar uma filmadora (em dez sofridas prestações) e retratar o que está acontecendo.

No processo, ela registra momentos traumáticos e descobre algo muito mais complexo do que imaginou em um primeiro momento; seus únicos momentos de distração passam a ser o trabalho e a amizade com uma vizinha, Bibiana (Linn da Quebrada). Consequentemente, ao fazer sua denúncia para o repórter Flávio Godoy (Alan Rocha) e para a inspetora Laura Torres (Laila Garin), sua vida passa a estar em perigo.

Acho que nem preciso dizer que Vitória é baseado em acontecimentos reais. Adaptado por Paula Fiuza a partir do livro de Fábio Gusmão, o longa-metragem obviamente simplifica o universo que rodeia a protagonista (e a própria investigação), mas traz os acontecimentos que realmente importam, misturando o perigo que ela corre com os desafios que enfrentou no passado. A escolha, claramente, foi focar na pessoa que fez algo para mudar as coisas.

Mas esta opção tem consequências, pois diminui a complexidade da obra e até mesmo seu alcance dramático. A maneira como os acontecimentos se amarram é digna de uma obra de ficção convencional, parecendo seguir uma estrutura predefinida e que, definitivamente, não existe na realidade.

Dito isso, a escolha de Fernanda Montenegro para o papel foi excelente e consegue equilibrar o resultado de Vitória. Com 80 anos de carreira, ela é capaz de passar a mistura de força e fragilidade de sua personagem de uma forma única, encarnando aquela velhinha que todo mundo conhece e, ao mesmo tempo, mostrando a determinação de quem não tem nada a perder.

Contudo, o fato de Montenegro ter sido escalada para o papel de uma mulher negra foi muito criticado (e eu adoraria ver uma atriz negra no papel), mas é preciso admitir que a produção tem uma boa justificativa. A identidade da denunciante – Joana Zeferino Paz – só foi revelada em 2023, quando as filmagens já haviam sido concluídas e o longa-metragem estava em pós-produção.

Assim, Vitória é um filme intrigante, especialmente se você não tem muitas informações sobre o desenrolar da história, mas ele não consegue transmitir a real angústia da situação. Fernanda Montenegro pode ser uma atriz maravilhosa (e que merece ser vista nos cinemas), mas ela (ainda) não faz milagres.

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