Chloé Zhao teve seus altos e baixos no passado. Depois de entrar no mainstream com Nomadland e gastar muito de sua boa vontade dirigindo Eternals (em um movimento que até hoje é meio incompreensível), ela volta quatro anos depois com um filme bem mais perto de sua zona de conforto. Hamnet é um drama intimista e focado em seus personagens, adaptado do livro de Maggie O'Farrell, que assina o roteiro ao lado da diretora.
Nada sutil, o subtítulo nacional (A vida antes de Hamlet) quer nos fazer acreditar que esse é um filme sobre Shakespeare. Entretanto, Hamnet tem outras prioridades, sendo mais uma história sobre o relacionamento entre Agnes (Jessie Buckley) e Will (Paul Mescal).
Ela é uma jovem metida com paganismo e que não se encaixa bem na sociedade da Inglaterra rural do século XVII; já ele é um rapaz que tenta sair de trás das expectativas paternas e encontrar um lugar para si no mundo. Os dois se encontram, apaixonam-se e têm filhos – incluindo o titular Hamnet (Jacobi Jupe). Então, Will se afasta da família para trabalhar em Londres e, na sua ausência, Hamnet morre acometido pela peste. O que resta aos dois protagonistas é, justamente, lidar com o luto, cada um a sua maneira.
Digo que o filme tem outras prioridades por duas grandes razões. A primeira é que a produção se esforça para não associar Will à figura quase mítica de Shakespeare; ele é humanizado e desvinculado de seu trabalho na maior parte do tempo – até o ato final, quando, buscando processar essa dor, Will se transforma em William Shakespeare. Em segundo lugar, Agnes tem mais protagonismo que Will nessa história e talvez sirva muito mais do que ele como ponto de vista e força motriz da narrativa.
O filme também é extremamente bonito, com um uso de iluminação natural e de uma paleta de cores que captura muito bem o período sem cair nos maiores chavões estéticos vinculados à época. A direção também enfatiza os elementos mais “místicos” da história sem que isso a torne inverossímil e, ainda que eu tenha inicialmente estranhado essa escolha, ela funciona para dar um ar onírico à trama e ressaltar alguns de seus temas de maneira bem interessante.
Além disso, considerando que essa é uma história essencialmente sobre o luto, Jessie Buckley e Paul Mescal são aqueles que fazem o filme funcionar. Ao expressar personagens com dimensões interiores distintas, mas muito complexas, ambos conseguem exprimir dores e arrependimentos de modos distintos e interessantes. São essas performances que impedem o filme de cair na breguice, já que o roteiro às vezes é meio forçado, como acontece com alguns filmes que querem a todo custo serem levados a sério.
Aliás, justamente porque Hamnet é meio pretensioso em suas intenções, eu tive dificuldades de me conectar emocionalmente. Por mais que entenda intelectualmente o drama dos personagens, sinto que faltou alguma coisa mais crua e genuína que me fizesse ficar verdadeiramente investido. Acho que esse é o tipo de drama que talvez funcione muito mais se você entende pessoalmente o peso da morte prematura de um familiar, então, a experiência pode variar.
Isso também se aplica a conhecimentos pretéritos tanto sobre Hamlet em si quanto sobre a vida e a obra de Shakespeare como um todo (ainda que o cerne dramático dessa história seja fortemente ficcionalizado). Afinal, o filme não perde tempo para explicar isso para seu público, o que atropela a complexidade da peça original. Por fim, sua mensagem sobre o potencial catártico da arte é bonita e bem executada, ainda que mais uma vez edifique o mito do artista sofredor (algo em que eu particularmente não acredito e ativamente desgosto de ver retratado no cinema).
De todo modo, Hamnet parece um retorno à forma para Zhao. Muito menos pungente do que Nomadland, por exemplo, este é um filme muito bem conduzido e com ótimas atuações (menção especial às crianças, já que a produção tem algumas das melhores atuações infantis que vi recentemente), um visual bem interessante e uma boa trilha sonora. Admito que tinha expectativas maiores e lamento que o longa-metragem não me cativou, mas esse é um bom filme e um claro destaque para a atual temporada de premiações.
Outras divagações:
Nomadland
Eternals
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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