Divagações: Lolita

Após a experiência não muito positiva com Spartacus , Stanley Kubrick fez Lolita , o primeiro de seus filmes a ser produzido de forma pr...

Após a experiência não muito positiva com Spartacus, Stanley Kubrick fez Lolita, o primeiro de seus filmes a ser produzido de forma praticamente independente na Inglaterra – uma escolha que ele manteve no decorrer de sua carreira – e o último de sua parceria com o produtor James B. Harris. Mesmo com uma história passada em diversas localidades dos Estados Unidos, o diretor preferiu filmar no país europeu, como insistiu em fazer até mesmo em produções como Full Metal Jacket (que acontece no Vietnã) e Eyes Wide Shut (em Nova York).

Baseado no romance de Vladimir Nabokov, o filme tem roteiro do próprio autor, embora esse material não tenha sido usado integralmente (além de ser muito longo, o texto não caiu totalmente nas graças do diretor, que o reescreveu, mas manteve o crédito de Nabokov). Há muitas diferenças em relação à obra literária, mas a adaptação foi bem recebida pelo escritor, que (dizem os registros) só ficou chateado por ter escrito tanto à toa.

Tudo começa quando o Prof. Humbert Humbert (James Mason) vai aos Estados Unidos para dar aula em diversas universidades. Em sua primeira parada, ele resolve ficar hospedado no quarto de hóspedes de Charlotte Haze (Shelley Winters) e não demora a se encantar pela beleza da filha dela, Lolita (Sue Lyon). Contudo, a mãe se interessa por Humbert e ele acaba mais envolvido na dinâmica familiar do que gostaria.

A loucura e o desejo, assim, crescem para o protagonista, enquanto Lolita vive praticamente em um inconsequente universo paralelo, onde brinca não somente com os sentimentos do professor, mas também com o de rapazes da sua idade e com o misterioso dramaturgo Clare Quilty (Peter Sellers), outra paixonite de sua mãe. A moça – que teve sua idade alterada de 12 para 14 anos – sabe o que faz, mas finge inocência, mente, provoca e dissimula. Obviamente, o comportamento de Humbert não é correto, mas não se pode negar que ela participa ativamente do jogo.

Trata-se, também, de uma jornada rumo à desgraça e ao desespero. Como a censura da época agia de forma rigorosa, o filme é muito menos sobre pedofilia do que as pessoas podem imaginar à primeira vista. O relacionamento de Humbert e Lolita pode até parecer inocente para um espectador desatento às entrelinhas! Além disso, a participação de Peter Sellers e seus exageros pode causar estranhamento para o público atual. Ou seja: é preciso ter cuidado com as expectativas.

Vale observar que Kubrick estava, aqui, começando a desenvolver melhor seu estilo de trabalhar com atores. Depois dos ataques de estrelismo que vivenciou na produção anterior, ele desenvolve uma mão firme e começa a exigir mais dos atores. Sellers, com toda sua criatividade e capacidade de improvisação, tem praticamente carta branca para fazer o que quer, criando um contraste interessante com a atuação contida de James Mason (que deveria ser o louco).

Para completar, Charlotte e Lolita também são apresentadas como opostos, com Shelley Winters revelando um comportamento infantil e carente, enquanto Sue Lyon é aparenta indiferença. Na dinâmica entre as duas surge, ainda que de fórmica cômica, uma crítica social aos Estados Unidos, algo interessante visto o afastamento de Kubrick.

Muito mais leve do que poderia ser, Lolita é focado em seus personagens, que estão bem longe de serem pessoas perfeitas. Por mais que o diretor seja conhecido por suas exigências técnicas, ele não deixa de ser um cineasta preocupado em contar boas histórias – e essa é sempre uma boa opção.

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