Divagações: Boyhood
5.2.15
O grande nome dessa temporada de premiações, Boyhood é um projeto impressionante por muitas razões. Em primeiro lugar, por ter conseguido manter um elenco comprometido durante tanto tempo – especialmente as crianças, que começaram a filmar ainda muito novas. Feito ao longo de 12 anos, trata-se de um projeto arriscado e apaixonado, mas também é algo especial, único.
Suponho que uma ideia como essa apareceria mais cedo ou mais tarde, mas fico feliz que ela tenha surgido com Richard Linklater. Além de ser um diretor competente, ele também é um excelente roteirista, conhecido pela sua sensibilidade e pela capacidade de expressar sentimentos em palavras simples e sinceras. Isso sem contar que se trata de uma proposta radicalmente diferente de Before Sunrise e suas continuações, marcadas por uma longa conversa em um curto período de tempo.
Boyhood é um filme sobre uma família, com sua trajetória sendo acompanhada ano a ano pelo olhar do caçula, Mason (Ellar Coltrane). Ele vive com a mãe (Patricia Arquette) e a irmã, Samantha (Lorelei Linklater), recebendo visitas ocasionais do pai (Ethan Hawke). Dos cinco aos 18 anos, ele acompanha a irmã ganhando maturidade, faz amizades, muda de casa diversas vezes, vê os casamentos frustrados de sua mãe, percebe como o pai demora a se acertar na vida, apaixona-se, estuda e entra na faculdade. E eu contei o filme inteiro!
O detalhe é que não existe muita surpresa sobre o que vai acontecer, tudo é muito claro. O mais interessante da produção é que ela não procura manter a atenção do espectador com sustos, grandes emoções ou demonstrações de esperteza. Na verdade, somos conquistados pelos momentos simples da vida. Aquela conversa constrangedora com os pais, aquele professor que significou algo especial em nossa trajetória, aqueles amigos que não eram exatamente boa companhia, aquela mudança de casa, aquelas pessoas que ficaram para trás.
A vida de Mason suscita muitas lembranças e nostalgia principalmente pelo texto delicado de Linklater, mas também pelas referências apresentadas. A todo o momento, Boyhood mostra uma tecnologia que marcou uma época, um programa de televisão, um pôster, uma conversa sobre política ou fatos do jornal. Nada disso afeta a família diretamente, mas está tão presente quanto esteve na minha vida ou na sua. Como as filmagens foram feitas ano a ano, não era possível saber o desdobramento exato das coisas, como as mudanças drásticas nos aparelhos de televisão e nos celulares, mas eles aparecem eventualmente, com mais ou menos sutileza.
Além disso, as atuações são marcadas por uma naturalidade difícil de encontrar em filmes sobre pessoas normais. As crianças mais reagem do que agem, enquanto os adultos tomam as decisões. Patricia Arquette provavelmente tem a missão mais difícil, mas consegue fazer sua personagem crescer e evoluir, enquanto Ethan Hawke ecoa seu próprio pai em muitas cenas e torna querido um personagem que poderia muito facilmente ser detestado. Aos poucos, contudo, Ellar Coltrane começa a soltar as asas e a pensar com sua própria cabeça, com os traços de personalidade mostrados no começo o transformando em uma pessoa completa.
Aliás, essa é a maravilha da experiência proporcionada por Boyhood. Todos os personagens são pessoas imperfeitas e até sem graça, contudo, somos recebidos como parte da família. Ao acompanharmos as mudanças em suas vidas, ano a ano, também vemos as crianças – e os adultos – crescerem. Sabemos que a evolução pessoal não para e nos apaixonamos por cada um deles. Não há nada de incrivelmente especial sobre Boyhood, mas há muito amor.
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