Divagações: Mary Poppins

Com Mary Poppins Returns nos cinemas, surgiu uma grande vontade de voltar o olhar para o filme de 1964. Embora não seja necessário assist...

Com Mary Poppins Returns nos cinemas, surgiu uma grande vontade de voltar o olhar para o filme de 1964. Embora não seja necessário assistir a ambos, eu recomendo: a nova produção faz muitas homenagens à anterior, tanto musicais quanto estruturais, e uma refrescada na memória não faz mal a ninguém. Ainda mais quando se trata de um musical tão divertido quanto esse.

Em Mary Poppins, a protagonista (Julie Andrews) é uma babá com poderes mágicos. Ela chega na casa da família Banks atendendo não ao anúncio publicado pelo pai (David Tomlinson) – que procura alguém que coloque regras e cuide de seus filhos com uma mão firme –, mas por causa de um rascunho feito pelas crianças (Karen Dotrice e Matthew Garber), que querem brincadeiras e uma moça bonita (em oposição a uma velha carrancuda). Assim, as atitudes da recém-contratada frequentemente exasperam os pais, mas as crianças se divertem bastante.

Um ponto interessante é que a babá não promove atividades lá muito educativas, mas ela não deixa de ser firme com as crianças. Muitos de seus passeios, aliás, envolvem conhecidos que ajudam a inflar seu ego ao mesmo tempo em que também colocam os pequenos Banks – filhos de um diretor do banco e de uma sufragista (Glynis Johns), vale dizer – em contato com a classe trabalhadora de Londres. Isso inclui Bert (Dick Van Dyke), que está sempre nas ruas a procura de como ganhar uns trocados, seja com música, pintura, venda de pipas ou limpeza de chaminés. No Brasil de hoje, essa não deixa de ser uma mensagem bem interessante!

De qualquer modo, com uma história passada no começo do século 20 e um lançamento no começo dos anos 1960, Mary Poppins é uma produção datada e que traz muitas coisas que não seriam exatamente bem vistas atualmente. Um bom exemplo disso é o passeio pelos telhados de Londres, com o grupo todo sujo de fuligem, andando perto de inúmeras chaminés e entrando em contato com fumaças meio assustadoras – uma delas é tão sólida que se transforma em uma escada! É engraçado, sem dúvida, mas também é algo que os produtores de um novo filme optariam por não replicar.

Outro ponto interessante está na construção das relações familiares, afinal, mudar a dinâmica da casa dos Banks é o grande mote do filme, a verdadeira missão de Mary Poppins. As crianças não são grandes pestinhas, mas parecem ter aprontado um bocado com babás anteriores, além de terem certa predileção por fugir delas. Ainda que elas não sejam exatamente negligenciadas pelos pais, também não são a prioridade de nenhum deles.

O pai vive uma fantasia onde ele é o líder do lar e se esforça para manter os padrões esperados dessa figura, porém, esse é um teatro que só existe enquanto ele está em casa – e ele passa a maior parte do tempo trabalhando, de qualquer modo. A dissonância fica ainda mais clara porque a mãe está bastante envolvida com sua causa, buscando o voto feminino e uma maior participação da mulher na sociedade. Ainda que essa militância seja retratada de uma forma relativamente cômica (o que combina com o musical, mas desmerece um pouco a luta), é importante que ela esteja presente.

Dessa forma, resta a Mary Poppins chacoalhar um pouco as coisas e fazer com que cada um na família Banks perceba melhor o outro, algo que vale tanto em relação ao comportamento dos pais para com os filhos quanto vice-versa. É nesse ponto que reside o grande trunfo da trama, ainda que, no fundo, o filme seja segurado mesmo pelos inúmeros números musicais.

E eles, é claro, são ótimos. Desde as singelas canções de ninar até as mais conhecidas, todas as músicas de Mary Poppins têm a incrível capacidade de grudar em seu cérebro, mesmo após tantos anos, um grande mérito dos irmãos Robert B. Sherman e Richard M. Sherman. Na tela, os números se tornam ainda melhores pela esperta utilização de cabos e pela mistura de danças com a divertida técnica de misturar animação com atores reais – acredite, ela ainda funciona bem!

Inclusive, não é à toa que, entre os cinco Oscars recebidos pela produção, um deles seja de Efeitos Visuais. Os outros são: Melhor Atriz, Melhor Edição, Melhor Canção Original (acreditem se quiser, para "Chim Chim Cher-ee") e Melhor Trilha Sonora Original.

Assim, por mais que a autora dos livros originais, P.L. Travers, tenha ficado descontente com a adaptação, Mary Poppins é uma obra que ainda encanta e que continuará a maravilhar crianças por várias gerações. Supercalifragilisticexpialidocious!

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