Divagações: Pokémon Detective Pikachu
8.5.19
Eu tenho uma longa e complicada história com Pokémon. Eu era uma daquelas crianças fascinadas com a franquia, que acompanhava cada novidade na televisão, nos cinemas e nos videogames. Agora, mesmo que tenha me afastado dela nos últimos anos, ainda preservo um carinho e um respeito bastante grande com a série e seus personagens.
Isso, por si só, já era um motivo para eu ficar ao menos um pouquinho animado com Detective Pikachu. Tudo bem, o filme parecia passar longe dos principais elementos da franquia, mas ele ensaiava em ser justamente o que os fãs mais velhos – mas ainda tomados por essas marés de nostalgia – precisavam: uma aventura que juntava aquele mundo tão querido com uma abordagem um pouquinho mais séria e “realista” do que a vista nos jogos ou no anime.
Esse parecia ser o rumo do filme em seu conceito inicial. Em vez de uma criança partindo em uma jornada fantástica, temos como protagonista Tim Goodman (Justice Smith), um jovem adulto que, mesmo vivendo em um mundo cercado por Pokémon, tem um emprego normal e uma vida bastante ordinária em uma cidadezinha pacata. Porém, as coisas mudam quando Tim ouve notícias sobre a morte do seu pai, Harry, um policial da grande metrópole Ryme City, que faleceu em um estranho acidente durante uma investigação.
Viajando para lá para cuidar dos assuntos da família, Tim encontra um Pikachu (Ryan Reynolds) bastante incomum no apartamento de Harry: ele sofre de amnésia, aparentemente é capaz de falar (mesmo que só ele entenda) e, supostamente, era o parceiro de seu falecido pai. Juntos com a aspirante a jornalista Lucy Stevens (Kathryn Newton), eles vão buscar respostas sobre o que causou o tal acidente e também a respeito da investigação em que Harry estaria metido, entrando em uma conspiração que afeta os altos escalões do poder em Ryme City.
Assim, com essa sinopse, você até poderia acreditar que Detective Pikachu realmente traz uma abordagem mais madura para a franquia. Mas você estaria errado. No fundo, esse permanece sendo um filme relativamente infantil e voltado para toda a família – incluindo as concessões que são feitas para que isso aconteça, que são grandes o bastante para tornar a produção medíocre.
Obviamente, eu não esperava um filme adulto e sombrio para Pokémon, porém, uma das minhas maiores críticas a série é justamente o quão estagnada ela está ao se focar apenas no público infantil. Afinal, há uma geração inteira que cresceu com estes personagens e que estaria disposta a consumir mais desta franquia se houvesse algo para ela lá. O filme parecia ser um primeiro passo nesse sentido, mas acaba traindo essas expectativas.
O roteiro (assinado por um time que inclui o diretor, Rob Letterman) é bobo e previsível, fugindo dos principais atrativos da série e dos seus elementos mais familiares em prol de uma história simples e barata. Quase não existe ação, o humor é inofensivo demais e todo aquele universo rico e interessante permanece basicamente inexplorado – você até vê que existe um trabalho lá, mas ele é completamente superficial.
Ainda assim, considerando tudo o que podia dar errado nesse filme, vemos que Detective Pikachu é uma produção perfeitamente aceitável e até acima da média (considerando o histórico nada elogiável de adaptações de jogos para o cinema). Porém, o filme poderia ser muito, mas muito mais.
Para começar, foi realizado um trabalho bem interessante em trazer para o live action uma estética que até hoje só vimos na animação, sendo evidente que a equipe de design e animação é composta por fãs da série. Um exemplo é o character designer R.J. Palmer, um artista que já em 2012 fazia fan arts com essa pegada mais realista e que foi chamado para a produção justamente por conta disso. E essa é, certamente, uma das ferramentas que fazem com que a premissa absurda do filme funcione.
Tudo bem que a computação gráfica não é lá das melhores e que os Pokémon não têm o peso necessário para interagir com o ambiente de modo realista (talvez apenas o Pikachu protagonista tenha esse benefício), mas nada que um pouco de suspensão de descrença não resolva. Os fãs, em especial, podem fazer isso em respeito ao enorme esforço da produção em estabelecer dezenas de pequenas referências visuais para transformar esse mundo em algo fantástico.
Porém, todo o resto da produção parece não entender o que atraiu as pessoas para a franquia desde o seu início. Pokémon sempre foi uma série sobre criaturas misteriosas com poderes especiais lutando umas contra as outras, sobre um senso de exploração e aventura em um mudo vasto e desconhecido. Jogar estes elementos fora para se focar apenas em mostrar os Pokémon e seu design é basicamente uma ideia estúpida – é como fazer um filme do Mario onde ele não pula ou um do Sonic onde ele não corre (ironicamente, isso é algo que Hollywood parece não aprender).
Para completar, o filme é ainda mais prejudicado pela decisão questionável de trazer pouquíssimas cópias legendadas para o Brasil. Infelizmente, por aqui, o timing cômico da dublagem não conseguiu capturar a atuação de Reynolds, que muito dizem ser o ponto alto do filme – reforçando ainda mais o estigma de que esse é um produto para o público infantil.
Inclusive, admito que muito da minha birra com Detective Pikachu vem do fato de que a dublagem constantemente me tirava da imersão, com um texto truncado e uma terminologia inconsistente com a série. Assim, a única redenção talvez seja a pequena participação de Fábio Lucindo, o dublador original do Ash.
Em resumo, Detective Pikachu parecia ser um filme com um enorme potencial de atrair novos e antigos fãs da franquia, com uma abordagem fresca e inédita da série, mas sua insistência em jogar seguro acaba minando qualquer chance deste ser um filme realmente bom. Não existe nenhum momento de brilhantismo, nenhuma abordagem inédita, nada que subverta as expectativas. Ainda que o longa-metragem seja perfeitamente aceitável e fique longe dos resultados catastróficos de seus antecessores, ele nunca será nada além disso.
Outras divagações:
Monsters vs. Aliens
Gulliver's Travels
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Isso, por si só, já era um motivo para eu ficar ao menos um pouquinho animado com Detective Pikachu. Tudo bem, o filme parecia passar longe dos principais elementos da franquia, mas ele ensaiava em ser justamente o que os fãs mais velhos – mas ainda tomados por essas marés de nostalgia – precisavam: uma aventura que juntava aquele mundo tão querido com uma abordagem um pouquinho mais séria e “realista” do que a vista nos jogos ou no anime.
Esse parecia ser o rumo do filme em seu conceito inicial. Em vez de uma criança partindo em uma jornada fantástica, temos como protagonista Tim Goodman (Justice Smith), um jovem adulto que, mesmo vivendo em um mundo cercado por Pokémon, tem um emprego normal e uma vida bastante ordinária em uma cidadezinha pacata. Porém, as coisas mudam quando Tim ouve notícias sobre a morte do seu pai, Harry, um policial da grande metrópole Ryme City, que faleceu em um estranho acidente durante uma investigação.
Viajando para lá para cuidar dos assuntos da família, Tim encontra um Pikachu (Ryan Reynolds) bastante incomum no apartamento de Harry: ele sofre de amnésia, aparentemente é capaz de falar (mesmo que só ele entenda) e, supostamente, era o parceiro de seu falecido pai. Juntos com a aspirante a jornalista Lucy Stevens (Kathryn Newton), eles vão buscar respostas sobre o que causou o tal acidente e também a respeito da investigação em que Harry estaria metido, entrando em uma conspiração que afeta os altos escalões do poder em Ryme City.
Assim, com essa sinopse, você até poderia acreditar que Detective Pikachu realmente traz uma abordagem mais madura para a franquia. Mas você estaria errado. No fundo, esse permanece sendo um filme relativamente infantil e voltado para toda a família – incluindo as concessões que são feitas para que isso aconteça, que são grandes o bastante para tornar a produção medíocre.
Obviamente, eu não esperava um filme adulto e sombrio para Pokémon, porém, uma das minhas maiores críticas a série é justamente o quão estagnada ela está ao se focar apenas no público infantil. Afinal, há uma geração inteira que cresceu com estes personagens e que estaria disposta a consumir mais desta franquia se houvesse algo para ela lá. O filme parecia ser um primeiro passo nesse sentido, mas acaba traindo essas expectativas.
O roteiro (assinado por um time que inclui o diretor, Rob Letterman) é bobo e previsível, fugindo dos principais atrativos da série e dos seus elementos mais familiares em prol de uma história simples e barata. Quase não existe ação, o humor é inofensivo demais e todo aquele universo rico e interessante permanece basicamente inexplorado – você até vê que existe um trabalho lá, mas ele é completamente superficial.
Ainda assim, considerando tudo o que podia dar errado nesse filme, vemos que Detective Pikachu é uma produção perfeitamente aceitável e até acima da média (considerando o histórico nada elogiável de adaptações de jogos para o cinema). Porém, o filme poderia ser muito, mas muito mais.
Para começar, foi realizado um trabalho bem interessante em trazer para o live action uma estética que até hoje só vimos na animação, sendo evidente que a equipe de design e animação é composta por fãs da série. Um exemplo é o character designer R.J. Palmer, um artista que já em 2012 fazia fan arts com essa pegada mais realista e que foi chamado para a produção justamente por conta disso. E essa é, certamente, uma das ferramentas que fazem com que a premissa absurda do filme funcione.
Tudo bem que a computação gráfica não é lá das melhores e que os Pokémon não têm o peso necessário para interagir com o ambiente de modo realista (talvez apenas o Pikachu protagonista tenha esse benefício), mas nada que um pouco de suspensão de descrença não resolva. Os fãs, em especial, podem fazer isso em respeito ao enorme esforço da produção em estabelecer dezenas de pequenas referências visuais para transformar esse mundo em algo fantástico.
Porém, todo o resto da produção parece não entender o que atraiu as pessoas para a franquia desde o seu início. Pokémon sempre foi uma série sobre criaturas misteriosas com poderes especiais lutando umas contra as outras, sobre um senso de exploração e aventura em um mudo vasto e desconhecido. Jogar estes elementos fora para se focar apenas em mostrar os Pokémon e seu design é basicamente uma ideia estúpida – é como fazer um filme do Mario onde ele não pula ou um do Sonic onde ele não corre (ironicamente, isso é algo que Hollywood parece não aprender).
Para completar, o filme é ainda mais prejudicado pela decisão questionável de trazer pouquíssimas cópias legendadas para o Brasil. Infelizmente, por aqui, o timing cômico da dublagem não conseguiu capturar a atuação de Reynolds, que muito dizem ser o ponto alto do filme – reforçando ainda mais o estigma de que esse é um produto para o público infantil.
Inclusive, admito que muito da minha birra com Detective Pikachu vem do fato de que a dublagem constantemente me tirava da imersão, com um texto truncado e uma terminologia inconsistente com a série. Assim, a única redenção talvez seja a pequena participação de Fábio Lucindo, o dublador original do Ash.
Em resumo, Detective Pikachu parecia ser um filme com um enorme potencial de atrair novos e antigos fãs da franquia, com uma abordagem fresca e inédita da série, mas sua insistência em jogar seguro acaba minando qualquer chance deste ser um filme realmente bom. Não existe nenhum momento de brilhantismo, nenhuma abordagem inédita, nada que subverta as expectativas. Ainda que o longa-metragem seja perfeitamente aceitável e fique longe dos resultados catastróficos de seus antecessores, ele nunca será nada além disso.
Outras divagações:
Monsters vs. Aliens
Gulliver's Travels
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
0 recados