Divagações: Gisaengchung
25.3.20
O que faz um ganhador do Oscar? Em um momento em que Hollywood vive uma crise moral, Roma foi um dos favoritos em 2019 e Gisaengchung surgiu como o grande vencedor de 2020, levando para casa as estatuetas de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro Original e Melhor Filme em Língua Estrangeira.
Em ambos os casos, temos uma representação das desigualdades trazidas pelo capitalismo, com voz para os menos favorecidos. Mas, enquanto Roma tinha um foco em interações mais realistas, a produção sul-coreana opta por colocar seus personagens em extremos, explorando uma premissa agoniante (e, antes que alguém questione, esse não é um filme de terror!).
Gisaengchung acompanha o plano de uma família pobre para, literalmente, subir na vida – já que eles moram em um semiporão (aparentemente, algo comum no país). Indicado por um amigo, Ki Woo (Woo-sik Choi) se passa por estudante universitário para conseguir o emprego de tutor da jovem Da Hye (Ji-so Jung). Ele impressiona a mãe da moça (Yeo-jeong Jo) e, em pouco tempo, consegue convencer a família a contratar também sua irmã (So-dam Park) e seus pais (Kang-ho Song e Hye-jin Jang).
No processo, eles precisam contar uma série de mentiras e causam a demissão de algumas pessoas, como a governanta (Jeong-eun Lee), que conhece a casa como ninguém. De qualquer forma, eles parecem prontos para iniciar uma nova fase do plano e aplicar algum tipo de golpe quando, bom... Talvez seja melhor eu parar por aqui.
Assim como em seus outros filmes, o diretor e roteirista Bong Joon Ho cria uma premissa com ares exagerados, apenas para ver como seus personagens vão se comportar nesse contexto – quase como se observasse ratos de laboratório. A grande diferença neste caso é que os extremos vividos pelas duas famílias da história não são exatamente uma ficção. Não estamos falando de um cenário pós-apocalíptico, mas simplesmente de pessoas muito ricas e pessoas muito pobres. Você pode julgar as atitudes de quem está lutando para sobreviver?
Para enfatizar a situação dos personagens, a produção abusa de recursos como a iluminação das cenas e o enquadramento dos personagens. Quem é pobre é frequentemente visto de cima e em ambientes apertados, escuros e levemente esverdeados. Já os ricos estão sempre em patamares mais altos e ambientes amplos, com acesso à luz do sol ou uma suave iluminação com cores quentes. O recurso é simples e bastante óbvio, mas seu uso insistente e criativo serve para constantemente martelar uma mensagem na mente dos espectadores.
Mas é claro que nem só do visual se faz um filme. Gisaengchung tem um texto instigante, movido pela constante tensão que acompanha a família de trapaceiros. Afinal, eles estão em uma situação delicada e vivem com o constante risco de que podem perder seus salários e voltar para a miséria absoluta. Assim, quando a reviravolta final acontece, eles são colocados em uma situação-limite e passa a ser impossível desgrudar os olhos da tela.
Aliás, um dos grandes méritos do filme é a capacidade de mudar a forma como encaramos cada uma daquelas pessoas. As personalidades de todos são apresentadas de forma rápida, mas o andamento da história e a maneira como eles reagem aos acontecimentos alteram a forma como os personagens se relacionam e se percebem. Os preconceitos se tornam mais evidentes e, consequentemente, as decepções e a revolta.
A seu modo, Gisaengchung faz um comentário social contundente em meio a um suspense misturado com uma farsa, misturada com uma história de crime. Não sei até que ponto Bong Joon Ho se preocupou com o gênero da produção, mas a verdade é que ele trabalhou cuidadosamente no universo retratado e no clima de tensão, construindo por cima disso uma trama cheia de reviravoltas e com uma estrutura diferente do habitual hollywoodiano, o que também ajuda a quebrar expectativas e surpreender o público.
Outras divagações:
Snowpiercer
Em ambos os casos, temos uma representação das desigualdades trazidas pelo capitalismo, com voz para os menos favorecidos. Mas, enquanto Roma tinha um foco em interações mais realistas, a produção sul-coreana opta por colocar seus personagens em extremos, explorando uma premissa agoniante (e, antes que alguém questione, esse não é um filme de terror!).
Gisaengchung acompanha o plano de uma família pobre para, literalmente, subir na vida – já que eles moram em um semiporão (aparentemente, algo comum no país). Indicado por um amigo, Ki Woo (Woo-sik Choi) se passa por estudante universitário para conseguir o emprego de tutor da jovem Da Hye (Ji-so Jung). Ele impressiona a mãe da moça (Yeo-jeong Jo) e, em pouco tempo, consegue convencer a família a contratar também sua irmã (So-dam Park) e seus pais (Kang-ho Song e Hye-jin Jang).
No processo, eles precisam contar uma série de mentiras e causam a demissão de algumas pessoas, como a governanta (Jeong-eun Lee), que conhece a casa como ninguém. De qualquer forma, eles parecem prontos para iniciar uma nova fase do plano e aplicar algum tipo de golpe quando, bom... Talvez seja melhor eu parar por aqui.
Assim como em seus outros filmes, o diretor e roteirista Bong Joon Ho cria uma premissa com ares exagerados, apenas para ver como seus personagens vão se comportar nesse contexto – quase como se observasse ratos de laboratório. A grande diferença neste caso é que os extremos vividos pelas duas famílias da história não são exatamente uma ficção. Não estamos falando de um cenário pós-apocalíptico, mas simplesmente de pessoas muito ricas e pessoas muito pobres. Você pode julgar as atitudes de quem está lutando para sobreviver?
Para enfatizar a situação dos personagens, a produção abusa de recursos como a iluminação das cenas e o enquadramento dos personagens. Quem é pobre é frequentemente visto de cima e em ambientes apertados, escuros e levemente esverdeados. Já os ricos estão sempre em patamares mais altos e ambientes amplos, com acesso à luz do sol ou uma suave iluminação com cores quentes. O recurso é simples e bastante óbvio, mas seu uso insistente e criativo serve para constantemente martelar uma mensagem na mente dos espectadores.
Mas é claro que nem só do visual se faz um filme. Gisaengchung tem um texto instigante, movido pela constante tensão que acompanha a família de trapaceiros. Afinal, eles estão em uma situação delicada e vivem com o constante risco de que podem perder seus salários e voltar para a miséria absoluta. Assim, quando a reviravolta final acontece, eles são colocados em uma situação-limite e passa a ser impossível desgrudar os olhos da tela.
Aliás, um dos grandes méritos do filme é a capacidade de mudar a forma como encaramos cada uma daquelas pessoas. As personalidades de todos são apresentadas de forma rápida, mas o andamento da história e a maneira como eles reagem aos acontecimentos alteram a forma como os personagens se relacionam e se percebem. Os preconceitos se tornam mais evidentes e, consequentemente, as decepções e a revolta.
A seu modo, Gisaengchung faz um comentário social contundente em meio a um suspense misturado com uma farsa, misturada com uma história de crime. Não sei até que ponto Bong Joon Ho se preocupou com o gênero da produção, mas a verdade é que ele trabalhou cuidadosamente no universo retratado e no clima de tensão, construindo por cima disso uma trama cheia de reviravoltas e com uma estrutura diferente do habitual hollywoodiano, o que também ajuda a quebrar expectativas e surpreender o público.
Outras divagações:
Snowpiercer
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