Divagações: Alice

Talvez não seja de bom tom falar sobre filmes de Woody Allen nos dias de hoje, especialmente quando eles possuem Mia Farrow no elenco. P...

Talvez não seja de bom tom falar sobre filmes de Woody Allen nos dias de hoje, especialmente quando eles possuem Mia Farrow no elenco. Porém, eu admito que tenho dificuldade em banir da minha vida algo que, a princípio, eu realmente gosto. Inclusive, eu me questiono sobre o que vai acontecer com esses filmes em alguns anos. Eles passaram de obras celebradas para uma espécie de tabu, mas eles não deixam de ser uma interessante viagem para dentro de uma mente criativa – problemática, muito provavelmente, mas sem dúvida criativa.

Alice, apesar de não ser um dos mais cultuados filmes do cineasta, é um que resume bem o tipo de obra que ele costuma entregar. Há uma premissa simples, uma protagonista mais simples ainda e um elemento de magia que faz a história andar. O filme não deixa de ser uma comédia romântica, mas ele não é exatamente sobre o casal. Ele realmente é sobre uma grande mudança que acontece com uma mulher.

Alice (Mia Farrow) é uma dona de casa rica, que vive rodeada de luxos em Nova York. Ela passa seus dias fazendo compras e indo ao salão de beleza, eventualmente acompanhando seu marido (William Hurt) em jantares de negócios. Com muitas dores nas costas, ela decide procurar um recomendado acupunturista, Dr. Yang (Keye Luke), embora ele prefira fazer tratamentos com ervas em vez de agulhas. E que ervas!

A verdade é que Alice está um pouco frustrada com a vida que leva. Ela gostaria de construir uma carreira, de se aproximar de sua irmã (Blythe Danner) e, talvez, de ter um caso com o saxofonista Joe (Joe Mantegna). Cada uma das ervas mágicas receitadas permite que ela se aproxime de cada um desses objetivos, mas Alice segue com receio de tomar uma decisão, pois está apegada à vida que leva e a seus princípios de moça católica.

Aliás, acho que aí está o grande mérito do longa-metragem. Ele não traz uma grande narrativa ou trama, focando exclusivamente no processo de transformação da protagonista, um processo bastante pessoal e íntimo. Se alguém assistir apenas a cena inicial e a final, elas vão parecer sequências de filmes completamente distintos. Porém, esse caminho é bastante interessante por si só.

Como se trata de um filme Woody Allen, essas mudanças acontecem de uma forma bastante inusitada. O tal “acupunturista” funciona como uma espécie de analista com poderes mágicos, que abre todas as portas para que Alice consiga vislumbrar todas as possibilidades. No processo, ela não só perde inibições, mas também consegue ficar invisível, conversa com sua musa inspiradora (Bernadette Peters) e até sobrevoa Manhattan com o fantasma de um ex-namorado (Alec Baldwin).

Ainda assim, o poder está sempre nas mãos da protagonista. Todas as decisões com a capacidade de efetivamente mudar sua vida – ou não – sempre partem dela. E, bom, convenhamos que isso é um pouco raro de aparecer no cinema, onde os protagonistas costumam ser empurrados sem dó pelo roteiro, apenas reagindo aos acontecimentos que são jogados em sua direção.

No final do dia, Alice tem mais méritos por ser menos. É um filme pouco complexo, sobre uma pessoa comum e que gera um divertimento passageiro. Claro que há algo incrível acontecendo com a protagonista, mas o mais importante é como ela lida com aquilo tudo (bem mais do que o “aquilo tudo” em si). É uma experiência curiosa.

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