Divagações: O Que é Isso, Companheiro?

O Que é Isso, Companheiro?
Na época em que O Que é Isso, Companheiro? foi lançado, eu tinha idade o suficiente para entender do que o filme tratava e para ter uma noção de sua importância, mas ainda não podia ficar acordada até tarde para ver a cerimônia do Oscar, por exemplo. Ou seja, eu também não pude assistir ao longa-metragem, mas guardei na cabeça que o diretor Bruno Barreto era uma figura importante no cinema nacional.

Passada no final dos anos 1960, a história é baseada em acontecimentos reais e, mais especificamente, no livro de um dos envolvidos, o jornalista, escritor e político Fernando Gabeira. O filme, assim, aborda uma célula de um grupo de guerrilha armada que lutava contra a ditadura, acompanhando desde a sua formação até seu encerramento, com destaque para seu grande plano: sequestrar o embaixador americano Charles Burke Elbrick (Alan Arkin) e solicitar sua troca por um grupo de presos políticos.

Liderados por Maria (Fernanda Torres), os envolvidos na operação são um veterano do grupo, Marcão (Luiz Fernando Guimarães) e três novatos, Reneé (Cláudia Abreu), Julio (Caio Junqueira) e Paulo (Pedro Cardoso) – dada a ousadia do plano, eles eventualmente recebem ajuda de dois revolucionários mais experientes, Jonas (Matheus Nachtergaele) e Toledo (Nelson Dantas). Do outro lado, Henrique (Marco Ricca) e Brandão (Maurício Gonçalves) são os agentes da ditadura em seu encalço.

Com isso, O Que é Isso, Companheiro? é centrado em um grupo relativamente pequeno de personagens, embora a operação real fosse maior. Mas isso não impede que a produção tenha um verdadeiro desfile de grandes atores brasileiros, com direito a participações de Fernanda Montenegro, Selton Mello, Eduardo Moscovis, Milton Gonçalves, Othon Bastos, Alessandra Negrini e até mesmo Lulu Santos.

A construção da trama se assemelha a um “filme de golpe”, porém, o objetivo não é exatamente divertir ou criar um suspense. Os personagens vivem em uma tensão constante e a ameaça demora a ficar clara, de modo que muitas das medidas de segurança e dos tropeços têm um ar falsamente cômico (afinal, enquanto brasileira, eu sei do perigo real que eles correm). Até mesmo o aspecto intelectual da questão parece algo descolado da realidade, como se alguns dos personagens fossem apenas jovens sonhadores descolados do mundo real.

Ainda assim, não é como se houvesse um descolamento entre a estrutura e as intenções de O Que é Isso, Companheiro?, afinal, a produção não esconde que abriu mão de ser uma adaptação fiel para poder contar uma história mais enxuta e melhor compreensível. O caráter idealista dos revolucionários foi propositalmente ressaltado, pois isso ajuda a minimizar o impacto de que estamos vendo um grupo de guerrilha armada e o sequestro de uma pessoa que não tem nenhuma relação direta com a ditadura. Em contrapartida, os agentes da ditadura ganham um coração, o que também parece uma medida para conter os ânimos.

De qualquer modo, não é como se O Que é Isso, Companheiro? tenha conseguido se esgueirar das polêmicas (a recepção internacional que o diga!). A produção claramente tem um lado na questão e faz o que pode para contar uma visão bastante específica dos acontecimentos, já partindo de um olhar que mistura nostalgia, arrependimento, orgulho e muita reflexão. O cinema brasileiro segue precisando ser mais assim.

E, já que estamos aqui: Ditadura nunca mais!

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