Divagações: Quincas Berro D’Água

Foi amor à primeira vista: assim que vi o trailer do filme Quincas Berro D'Água fiquei encantado. Como alguns segundos poderiam ter sin...

Foi amor à primeira vista: assim que vi o trailer do filme Quincas Berro D'Água fiquei encantado. Como alguns segundos poderiam ter sintetizado tão bem o espírito despretensioso do filme, dirigido por Sérgio Machado, baseado no livro de Jorge Amado, A morte e a morte de Quincas Berro D'água. Nunca li o livro, mas gosto muito da obra do autor, já tendo lido Tieta do Agreste e Mar Morto. Os personagens criados pelo autor geralmente tem uma vida simples, mas de rica complexidade.

Algo que me chamou muita atenção na proposta da adaptação do livro para as telas de cinema foi o retorno do interesse em produções regionais, que estavam em baixa desde os bem sucedidos O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro. Nos últimos anos, apenas produções com forte teor de violência, como Tropa de Elite, ou os que divertem a qualquer custo, como Se eu fosse você, tem encontrado lugar nas grandes salas de exibição.

Para mim foi algo como um retorno à época em que filmes simples, bem escritos e bem dirigidos, como os já citados Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro, ou até mesmo Caramuru ou algum de Jorge Furtado estavam em alta. Como nestes filmes, as peripécias de personagens malandros, simples e bem-humorados dão o tom de comédia à história.

O enredo é simples: Quincas, o rei dos bordéis e botequins da Bahia morre bem no dia de seu aniversário. Então quatro amigos, tristes por sua morte e revoltados por ele não ter curtido sua festa de aniversário, resolvem levar seu corpo para uma grande noite de diversão, em todos os lugares que Quincas gostava de ir. Simples e engraçado, aliado às diversas situações que acontecem durante a tal noite.

E o incrível é que, mesmo no papel do falecido Quincas, o ator Paulo José é o grande destaque do filme. O espectador desde o início da história tem a noção de que o personagem está morto, mas sempre há uma íntima esperança de que tudo seja uma peça que ele esteja pregando em seus amigos. E mais misterioso ainda: mesmo sem uma fala sequer, ou algum gesto, todos nos apaixonamos pelo rei da boêmia, e torcemos para que seus amigos possam levá-lo a mais uma noite de diversão. Claro, com um morto tão simpático como Quincas, fica difícil resistir.

Engraçada também é a disposição dos personagens: torcemos, durante o filme, para figuras totalmente marginais da sociedade. Vagabundos, beberrões, prostitutas e travestis: são eles que mais demonstram a nobreza dos sentimentos, diferentes dos familiares de Quincas, por exemplo, que vivem num mundo de fachada.

Quincas Berro D'água é uma comédia inteligente, simples, e que prova que o cinema nacional pode – e deve – sobreviver fora dos grandes filmes comerciais que vem representando a produção de longas metragem no Brasil. História que representa a grande diversidade de riqueza presente em nosso país.

Texto: Raphael Ramirez
Originalmente publicado em 12 de julho, nesse link.

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