Divagações: The Giver
4.9.14
Mesmo que não seja muito conhecido por aqui, The Giver foi um daqueles livros que alcançou um inesperado sucesso nos Estados Unidos dos anos 1990, apresentando a uma geração mais nova um futuro distópico nas linhas de Ray Bradbury e George Orwell. Assim, é possível ver uma pontinha desta influência em The Hunger Games e Divergent, mas a ironia é que seria difícil ver esse filme sair do papel se não fosse pelo bom resultado do filme de Jennifer Lawrence e companhia.
Por isso mesmo, fui ver The Giver com uma pontinha de desdém, afinal, tudo parecia tão... derivativo. Veja o que aconteceu com John Carter: depois de décadas de pessoas replicando e modificando os conceitos chaves de uma obra, é difícil voltar ao original sem que ele soe terrivelmente batido. Mas vendo atores como Jeff Bridges (que também assina como produtor) e Meryl Streep tão empolgados com o projeto, decidi dar uma chance e ver sem preconceitos.
Em um mundo em que as memórias e diferenças foram expurgadas para criar uma sociedade sem conflito, Jonas (Brenton Thwaites) vive tranquilamente com seus amigos Asher (Cameron Monaghan) e Fiona (Odeya Rush). Em sua cerimônia de formatura, ele é designado como o novo ‘receptor de memórias’, o único receptáculo das lembranças do passado. Colocado sob a tutela do antigo receptor (Jeff Bridges), Jonas aprende que existe muito mais no mundo do que ele imaginava, o levando a entrar em conflito com a grande anciã (Meryl Streep).
A história não foge muito do que se vê por aí. Uma sociedade opressora e que controla todos os aspectos da vida de seus cidadãos? Checado. Um herói que não se encaixa naquele lugar e é misticamente destinado a grandes coisas? Checado. Um romance bobo para esquentar as coisas? Certamente. Porém, tudo é relativamente bem executado e até funciona a despeito dessa descrença inicial. A grande mensagem filosófica do filme é bem apresentada, sendo bem melhor trabalhada e exposta do que se poderia imaginar, colocando a inevitável ação e ao romance (coisas que aparentemente não existem no material original), em segundo plano.
Os atores principais em The Giver não são exatamente incríveis, sendo inexperientes no cinema, ainda que com destaque na televisão. Não que isso prejudique muito o filme, porém, frente a frente com atores como Jeff Bridges e Alexander Skarsgård (que aparentemente estavam se esforçando de verdade para entregar um bom trabalho) é possível ver a abismal diferença de qualidade entre eles.
Além disso, a maneira de se trabalhar com as cores – ou com a ausência delas –, apesar de não ser muito inovadora, é bem corajosa para um filme voltado para o público jovem, adequando-se a narrativa e oferecendo um complemento visual para o que o filme quer transmitir. As cenas contendo as ‘memórias’ em si se beneficiam muito da técnica, enfatizando o contraste entre o mundo mundano e a utopia imutável da comunidade.
Entretanto, há diversas as falhas de consistência e de caracterização. O ritmo não é exatamente adequado, às vezes apressando um pouco demais o passo para entregar a resolução em parca uma hora e meia, deixando muita coisa que poderia ser mais bem explicada para trás ao apelar para todo o tipo de deus ex machina.
Felizmente, o resultado final acaba sendo algo parecido com um Fahrenheit 451 ou Admirável Mundo Novo para o público jovem, tendo o mérito de ao menos apresentar conceitos bacanas e fomentar discussões. Mesmo que o filme peque um pouco em alguns momentos e tenha uma cara meio barata (o que não deixa de ser parcialmente verdadeiro, já que The Giver custou apenas 25 milhões, uma pechincha para esse tipo de produção), é uma obra com um tom próprio e bem mais conteúdo do que aparenta.
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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