Divagações: Interstellar

Filmar uma boa ficção cientifica é um dos maiores desafios para qualquer diretor. Afinal de contas, é um gênero ingrato, com enormes difi...

Filmar uma boa ficção cientifica é um dos maiores desafios para qualquer diretor. Afinal de contas, é um gênero ingrato, com enormes dificuldades técnicas, traços endêmicos de megalomania e resultados que, muitas vezes, ficam aquém do exigido pelos estúdios. Porém, existe certo fascínio que leva grandes nomes – década após década – a tentarem a sorte no arriscado trabalho de mostrar o futuro da humanidade. Assim, é compreensível a tentativa de Christopher Nolan em filmar um ambicioso épico espacial. Como perder a oportunidade de lutar na mesma arena onde nomes como Ridley Scott e Stanley Kubrick se consagraram?

Não é como se Nolan fosse especialmente inexperiente no assunto. Inception dá suas mergulhadas no sci-fi e The Prestige tem suas raízes no steampunk, porém, Interstellar vai além, tentando ser para a nossa época o que 2001: A Space Odyssey foi para os baby boomers, jogando novamente para o cosmos a responsabilidade de contar a ‘nova grande história americana’.

Não acho que isso seja algum tipo de exagero, já que Interstellar compartilha com As Vinhas da Ira parte do seu mote principal e o clima poeirento do meio-oeste americano; isso é, até que cheguemos finalmente ao espaço.  Em um futuro próximo devastado pela fome e pela escassez de recursos naturais, o fazendeiro e piloto aposentado Cooper (Matthew McConaughey) tenta criar seus filhos após a morte de sua esposa. Instigado por estranhos acontecimentos centrados em sua filha Murph (Mackenzie Foy/Jessica Chastain), ele entra em contato com os últimos resquícios do programa espacial americano que, liderado pelo professor Brand (Michael Caine) e sua filha Amelia (Anne Hathaway), planeja uma desesperada expedição através de um buraco de minhoca, como uma última forma de salvar a humanidade de um inevitável fim.

Primeiramente, não há como deixar de dizer que Interstellar é tecnicamente impecável. Os visuais são sensacionais e se beneficiam imensamente da tela grande, apresentando muitas das melhores representações já feitas até hoje de viagens através das dimensões, buracos negros, exploração planetária e tantos outros elementos tão utilizados no gênero. A música carrega no estilo de Hans Zimmer, pontuando o filme com seus crescendos dramáticos e finalizações apoteóticas.

Mas talvez Interstellar falhe justamente em querer chegar longe demais, em ser e mostrar mais do que é capaz. O excesso de drama e o foco da dita ‘condição humana’ parecem sugerir que o filme seja uma experiência contemplativa e reflexiva sobre os mistérios do universo e das relações humanas. No entanto, tudo soa muito raso e simplista, geralmente apoiado sobre explicações nem um pouco convincentes e que exigem demais da boa vontade do expectador. Os conflitos e percalços soam extremamente desimportantes, sendo logo deixados para trás e, sem qualquer reflexão maior, tornando a experiência inacabada e aquém do seu potencial.

Anne Hathaway e Matthew McConaughey, apesar de serem dois bons atores e entregarem um trabalho competente, prendem-se em excesso a arcos dramáticos irrelevantes e que desembocam em um melodrama completamente desnecessário e previsível, engolindo boa parte do último quarto do filme em uma mensagem sobre a ‘força transcendental do amor’. Isso soa especialmente deslocado em meio a tantos outros temas bem mais interessantes, tornando uma história que poderia ser bastante autocentrada em uma mistura um pouco indigesta de conceitos e referências.

A direção, apesar de ser muito bem trabalhada no visual e na edição, deixa a desejar em termos de ritmo. As quase três horas de filme acabam se tornando cansativas, sobretudo quando muito do que acontece não acrescenta ao destino final dos personagens ou à caracterização, servindo apenas de material para mais pirotecnias e cenas visualmente instigantes.

Apesar disso, este é um filme que serve muito bem como alento para quem saiu de Gravity achando que iria demorar para Hollywood apostar novamente em um drama espacial. Mesmo não sendo tão bonito ou interessante como a obra de Alfonso Cuarón, Interstellar é bem atraente em comparação com uma safra de filmes decepcionantes. Ainda assim, em sua ânsia de querer dar um passo maior que as pernas, ele talvez tenha tropeçado, não conseguindo concretizar a imensa ambição que esse tipo de história sempre carrega.

Outras divagações:


Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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