Divagações: Blindspotting

Com um roteiro escrito por seus dois atores principais, Blindspotting é um filme que tem sido descrito como “sincero” – e eu não poderia ...

Com um roteiro escrito por seus dois atores principais, Blindspotting é um filme que tem sido descrito como “sincero” – e eu não poderia concordar mais. Mesmo tendo visto alguns dos materiais promocionais antes da sessão, eu não sabia exatamente o que esperar, até mesmo porque nenhum deles conseguiu traduzir exatamente o que a produção quer passar.

Eu vou tentar resumir, mas sei que minhas chances de sucesso não são altas. Collin (Daveed Diggs) é um jovem negro que saiu da prisão recentemente, em liberdade condicional. A princípio, ele é um cara tranquilo e com a cabeça no lugar, que está tentando reconstruir a vida e está prestes a concluir seu período de um ano com toque de recolher e restrições de mobilidade. Por outro lado, seu melhor amigo Miles (Rafael Casal) é um cara branco, cheio de tatuagens e esquentadinho, que gosta da ideia de andar por aí armado e que não hesita em falar mal da ex-namorada de Collin, Val (Janina Gavankar).

Os dois são amigos desde a infância, tendo crescido em Oklahoma, na Califórnia, e agora trabalham juntos em uma empresa de mudanças, inclusive ganhando um extra com a venda de coisas que as pessoas não querem mais. Contudo, as diferenças nas personalidades de ambos ficam ainda mais gritantes nos últimos dias da liberdade condicional de Collin, especialmente depois que ele presencia um tiroteio onde um homem negro é assassinado com quatro tiros por um policial branco (Ethan Embry).

Com essa premissa, Blindspotting tenta apresentar as dificuldades das pessoas de enxergar o mundo (há uma cena especialmente para apresentar o conceito e outra para justificar o título). Collin vive ainda muito claramente o trauma da prisão e da cena que presenciou, inclusive com momentos de desconexão com o que acontece ao seu redor e ataques de pânico. Já Miles luta contra uma realidade que mudou – para melhor, se você parar para pensar – e se esconde por trás de uma camada latente de violência. Além disso, o filme também aborda questões como o preconceito racial existente na cidade, algo presente tanto em festas aparentemente inócuas quanto na relação repleta de atritos entre as pessoas negras e os policiais.

Para completar, o longa-metragem é construído de uma forma em que você fica esperando o ponto em que algo desastroso vai acontecer e o protagonista iniciará uma corrida contra o tempo para não precisar voltar para a cadeia. A tensão é constante e cada novo acontecimento ao redor de Collin pode desencadear alguma coisa. A questão é que ela nunca se dissipa totalmente e, só então, você liga os pontos: Blindspotting é sobre essa tensão.

Assim, por mais que a produção tenha um senso de humor apurado, cenas de violência e um protagonista que acabou de sair da cadeia, não se trata exatamente de uma comédia, de um filme de ação e muito menos de um suspense sobre crimes ou a criminalidade em si. Eu diria que esse é um filme social, sobre a capacidade do ser humano de aguentar os ambientes que criamos para nós mesmos e lidar com os traumas individuais dessas condições.

Embora isso possa parecer algo chato e cabeçudo (não vou negar!), na verdade, acaba sendo muito mais interessante que boa parte das cenas de ação que temos por aí. Esse recurso também serve para o diretor estreante Carlos López Estrada ‘brincar’ com as expectativas do público, uma escolha que é um tanto quanto arriscada, mas que acaba se pagando – com direito a prêmio em Palm Springs e uma indicação em Sundance –, ainda que não sem certo estranhamento.

Blindspotting, dessa forma, é um filme que levanta muitas perguntas, sem que seus personagens saibam exatamente como respondê-las. Inclusive, por mais que eles tenham seus momentos catárticos, essas sequências são desabafos e consequências de muita coisa acumulada e não chegam exatamente a resolver qualquer situação. Assim como na minha vida e na sua, eles estão apenas seguindo em frente da forma como conseguem. Eu avisei que esse era um filme sincero.

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