Divagações: Venom

A insistência da Sony em planejar um universo cinematográfico de Spider-Man sem o dito cujo é, no mínimo, impressionante. Tanto é que o ...

A insistência da Sony em planejar um universo cinematográfico de Spider-Man sem o dito cujo é, no mínimo, impressionante. Tanto é que o sentimento que ecoava na sala de cinema de Venom era muito menos de expectativa e muito mais de cinismo, resultado da surpresa em ver esse projeto que parecia absolutamente estúpido e desnecessário finalmente surgindo à luz do dia. E, com ele, o estúdio também traz a promessa de toda uma galeria de heróis e vilões do universo do cabeça de teia sem, contudo, encostar diretamente no mesmo por conta de todo o imbróglio com a Marvel.

Esquecendo um pouco de Nova York, temos aqui a história de Eddie Brock (Tom Hardy), um ambicioso jornalista investigativo que passa seus dias pelas ruas de San Francisco tentando fazer o que é certo. Este desejo acaba o colocando em conflito com o milionário Carlton Drake (Riz Ahmed), uma espécie de Elon Musk fantasioso com uma obsessão em levar a humanidade para o espaço, mas com alguns esqueletos no armário e influência o bastante para os manter por lá. Ao puxar o tapete de Drake, Brock tem a própria vida destruída, perdendo o emprego e seu relacionamento com sua noiva Anne (Michelle Williams). Entretanto, uma pista dada pela doutora Dora Skirth (Jenny Slate) pode ser o bastante para comprovar as alegações de Brock sobre Drake.

Ao invadir o laboratório do milionário, porém, Brock se vê em contato com Venom, uma forma de vida alienígena encontrada pela empresa de Drake e que é capaz de estabelecer uma relação simbiótica com ele. Embora seja capaz de conceder todo o tipo de poderes, Venom é violento e não muito ligado a moralidade humana – ainda assim, ele precisa do seu hospedeiro para sobreviver. Agora, os dois precisam trabalhar juntos para escapar da perseguição de Drake e lidar com a ameaça de outros simbiontes.

Já tirando o elefante da sala, Venom é bem menos catastrófico do que se esperava e está longe de ser um dos piores filmes de quadrinhos dos últimos tempos. Tom Hardy, apesar do sotaque meio estranho, é uma das melhores coisas do filme e é capaz de criar uma dinâmica interessante como Eddie Brock-Venom, mesmo dentro daquele velho clichê dos dois personagens com personalidades opostas precisando aprender a conviver. Porém, o resto do filme mergulha na mediocridade e o roteiro é uma bagunça tonal, com uma metade bem pé no chão e com clima de suspense que logo descamba para um filme de ação, comédia e ficção-científica com tons macabros e que não sabe exatamente o que quer ser ou aonde quer chegar.

Os efeitos especiais são inofensivos nos melhores momentos e legitimamente ruins nos piores, sofrendo da síndrome dos bonecos de computação gráfica, onde a ação não tem peso ou impacto e nada parece minimamente crível. Para piorar, a decisão de transformar esse filme em uma produção com classificação PG-13 nos Estados Unidos significou cortar o que, segundo Hardy, eram suas melhores cenas. Contrariando a mitologia do personagem, criado justamente na época em que os quadrinhos eram mais violentos e chocantes, o longa-metragem parece ir na contramão da indústria e empobrece a visão original do filme. Afinal, depois de Logan e Deadpool, a Fox provou que há sim espaço para obras de quadrinhos mais pesadas nos cinemas.

O que sobra disso tudo é um filme meio estúpido e uma grande oportunidade desperdiçada, mas que pode ser aproveitado se você só quer mesmo um filme de ação descompromissado e com um climão meio B, o que ironicamente tem lá o seu apelo.  A representação de Venom é surpreendentemente interessante, ainda que não muito bem explorada e dotada de um humor juvenil, ficando anos luz a frente do que vimos, por exemplo, no infame Spider-Man 3. Novamente, reforço que é o esforço de Tom Hardy que dá carisma para um personagem legitimamente sem graça. Assim, por mais que eu prefira a parte do filme onde o simbionte não dá as caras, ao menos esse trecho fundamental do filme funciona.

Dessa forma, por mais que muitos já esperassem ver em Venom um descarrilamento colossal que encerraria de vez com estes planos da Sony, a verdade é que a mediocridade e o apelo do personagem podem muito bem dar uma sobrevida a essas ideias do estúdio. Porém, não há como esconder que Venom talvez seja o pior filme de heróis do ano (se é que essa categoria se aplica) e acredito que nem mesmo uma possível versão do diretor Ruben Fleischer, com a classificação etária mais alta original pretendida, conseguiria salvar o longa-metragem. Afinal de contas, sair do cinema achando que o pequeno teaser de Spider-Man: Into the Spider-Verse é a melhor coisa que apareceu na tela diz muito sobre a qualidade do filme.

Outras divagações:
Zombieland
Gangster Squad

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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