Divagações: Blade Runner 2049
5.10.17
Mexer em uma obra tão icônica e amada quanto Blade Runner é, basicamente, cutucar um vespeiro. É se colocar sob o escrutínio de milhares de fãs que farão o possível para apontar o quanto uma refilmagem, continuação ou até mesmo spin-off simplesmente não está a par do que eles consideram como um patamar de qualidade aceitável para a franquia – e, considerando que Blade Runner é tido por muitos como a melhor obra de ficção-científica de todos os tempos, esse patamar é particularmente alto. A situação se complica quando pensamos que temos a nossa frente uma continuação feita mais de 20 anos depois, por um diretor totalmente distinto e que o filme original tem uma trama fechada em si mesma.
Essa história poderia acabar em tragédia e em mais um ‘revival’ completamente decepcionante – como os que se tornaram lugar comum em Hollywood nos últimos tempos –, mas teve um final surpreendentemente feliz. Uma equipe competente resolveu que não se contentava em simplesmente imitar o que tornou a obra original bem-sucedida e resolveu tornar a obra sua. O resultado não poderia ser melhor.
Capitaneado por Denis Villeneuve, Blade Runner 2049 é exatamente o que o título diz: uma nova história, de um novo Blade Runner e que se passa 30 anos depois dos acontecimentos envolvendo Rick Deckard (Harrison Ford). Dessa vez, temos nosso foco em K (Ryan Gosling), um blade runner a serviço do departamento de polícia de Los Angeles e que passa seus dias ‘aposentando’ replicantes de modelos antigos, sem os aperfeiçoamentos que tornaram os modelos novos – fabricados pela empresa de Niander Wallace (Jared Leto) – mais ‘confiáveis’. Em uma missão onde se depara com um dos antigos modelos, K acaba se envolvendo em uma conspiração que pode mudar completamente a relação entre humanos e replicantes.
Assim, Blade Runner 2049 é, para todos os efeitos, um filme com uma textura e um sabor muito próprios – e, por isso, consegue se destacar e caminhar lado a lado com o original. Seus temas, apesar de similares, são tratados por outros ângulos e tem diferentes implicações, o que fica bem claro na relação de duas personagens com o protagonista: Joi (Ana de Armas) e Luv (Sylvia Hoeks). A primeira é uma inteligência artificial que é ‘casada’ com K, enquanto a segunda, uma replicante, é a assistente pessoal de Wallace. Cada uma a seu modo, elas expressam questões sobre o limite da humanidade e o que nos torna indivíduos, o que talvez seja o grande mote dos dois Blade Runner.
Esteticamente, a produção é bastante caprichada. Tanto a direção de Villeneuve quanto a fotografia de Roger Deakins são pontos fortes do filme, trabalhando muito bem com cores e sombras e dando a 2049 um aspecto bem diferente do que o que havíamos visto no filme original. Enquanto o filme de Ridley Scott apresenta uma versão bastante arquetípica de um futuro cyberpunk, com sua arquitetura urbana repleta de neons e hologramas, Blade Runner 2049 mostra algo mais próximo do livro de Philip K. Dick. Há um meio-ambiente devastado e céus cinzas e empoeirados, com um ótimo trecho do filme se passado em uma zona contaminada por radiação, repleta de tons laranjas e ominosos.
Para quem tinha medo de que o longa-metragem apostaria mais na ação e não faria jus ao seu antecessor, já aviso: pode ficar tranquilo. Esse é um filme contemplativo e focado na investigação de K. Por mais que ele às vezes chegue a conclusões muito convenientes para fazer a trama andar, o roteiro evita certos desfechos excessivamente óbvios e que poderiam empobrecer a história em prol da ambiguidade que um dos seus autores, Hampton Fancher, imprimiu no Blade Runner original – até mesmo a grande discussão sobre a natureza de Deckard fica no escuro, mantendo a dúvida proposital. Aliás, talvez a participação de Harrison Ford seja a parte mais fraca do filme, pois a tentativa de criar um elo entre as duas histórias acaba soando um pouco desnecessária.
Porém, mesmo sendo um filme bem polido e com muitas qualidades, Blade Runner 2049 tem pouca resposta emocional. Talvez seja a aridez do cenário ou o fato de que Ryan Gosling está novamente fazendo o papel do sujeito silencioso e taciturno, mas o fato é que esse não é um filme que gera tanta empatia quanto poderia. Dessa maneira, é um pouco difícil se conectar com a jornada de K e com as coisas com que ele se depara no caminho, mas de nenhum modo isso está além do esperado.
De qualquer forma, Blade Runner 2049 é um filme muito digno do seu antecessor e vale a pena ser visto tanto por fãs quanto por quem não teve um contato prévio, mas gosta da estética ou da temática. Na posição de um blockbuster com muito pedigree, a produção renova minhas esperanças na possível adaptação de Duna, que também deve ser dirigida por Villeneuve. Se ele trouxer Roger Deakins para o barco, Dune promete ser um espetáculo visual completo e talvez a altura do épico livro de Frank Herbert.
Outras divagações:
Blade Runner
Arrival
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Essa história poderia acabar em tragédia e em mais um ‘revival’ completamente decepcionante – como os que se tornaram lugar comum em Hollywood nos últimos tempos –, mas teve um final surpreendentemente feliz. Uma equipe competente resolveu que não se contentava em simplesmente imitar o que tornou a obra original bem-sucedida e resolveu tornar a obra sua. O resultado não poderia ser melhor.
Capitaneado por Denis Villeneuve, Blade Runner 2049 é exatamente o que o título diz: uma nova história, de um novo Blade Runner e que se passa 30 anos depois dos acontecimentos envolvendo Rick Deckard (Harrison Ford). Dessa vez, temos nosso foco em K (Ryan Gosling), um blade runner a serviço do departamento de polícia de Los Angeles e que passa seus dias ‘aposentando’ replicantes de modelos antigos, sem os aperfeiçoamentos que tornaram os modelos novos – fabricados pela empresa de Niander Wallace (Jared Leto) – mais ‘confiáveis’. Em uma missão onde se depara com um dos antigos modelos, K acaba se envolvendo em uma conspiração que pode mudar completamente a relação entre humanos e replicantes.
Assim, Blade Runner 2049 é, para todos os efeitos, um filme com uma textura e um sabor muito próprios – e, por isso, consegue se destacar e caminhar lado a lado com o original. Seus temas, apesar de similares, são tratados por outros ângulos e tem diferentes implicações, o que fica bem claro na relação de duas personagens com o protagonista: Joi (Ana de Armas) e Luv (Sylvia Hoeks). A primeira é uma inteligência artificial que é ‘casada’ com K, enquanto a segunda, uma replicante, é a assistente pessoal de Wallace. Cada uma a seu modo, elas expressam questões sobre o limite da humanidade e o que nos torna indivíduos, o que talvez seja o grande mote dos dois Blade Runner.
Esteticamente, a produção é bastante caprichada. Tanto a direção de Villeneuve quanto a fotografia de Roger Deakins são pontos fortes do filme, trabalhando muito bem com cores e sombras e dando a 2049 um aspecto bem diferente do que o que havíamos visto no filme original. Enquanto o filme de Ridley Scott apresenta uma versão bastante arquetípica de um futuro cyberpunk, com sua arquitetura urbana repleta de neons e hologramas, Blade Runner 2049 mostra algo mais próximo do livro de Philip K. Dick. Há um meio-ambiente devastado e céus cinzas e empoeirados, com um ótimo trecho do filme se passado em uma zona contaminada por radiação, repleta de tons laranjas e ominosos.
Para quem tinha medo de que o longa-metragem apostaria mais na ação e não faria jus ao seu antecessor, já aviso: pode ficar tranquilo. Esse é um filme contemplativo e focado na investigação de K. Por mais que ele às vezes chegue a conclusões muito convenientes para fazer a trama andar, o roteiro evita certos desfechos excessivamente óbvios e que poderiam empobrecer a história em prol da ambiguidade que um dos seus autores, Hampton Fancher, imprimiu no Blade Runner original – até mesmo a grande discussão sobre a natureza de Deckard fica no escuro, mantendo a dúvida proposital. Aliás, talvez a participação de Harrison Ford seja a parte mais fraca do filme, pois a tentativa de criar um elo entre as duas histórias acaba soando um pouco desnecessária.
Porém, mesmo sendo um filme bem polido e com muitas qualidades, Blade Runner 2049 tem pouca resposta emocional. Talvez seja a aridez do cenário ou o fato de que Ryan Gosling está novamente fazendo o papel do sujeito silencioso e taciturno, mas o fato é que esse não é um filme que gera tanta empatia quanto poderia. Dessa maneira, é um pouco difícil se conectar com a jornada de K e com as coisas com que ele se depara no caminho, mas de nenhum modo isso está além do esperado.
De qualquer forma, Blade Runner 2049 é um filme muito digno do seu antecessor e vale a pena ser visto tanto por fãs quanto por quem não teve um contato prévio, mas gosta da estética ou da temática. Na posição de um blockbuster com muito pedigree, a produção renova minhas esperanças na possível adaptação de Duna, que também deve ser dirigida por Villeneuve. Se ele trouxer Roger Deakins para o barco, Dune promete ser um espetáculo visual completo e talvez a altura do épico livro de Frank Herbert.
Outras divagações:
Blade Runner
Arrival
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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