Divagações: Serra Pelada

Quem gostava de estudar a história do Brasil nos tempos de colégio? Em quais escolas foi dado um espaço relevante para acontecimentos mai...

Quem gostava de estudar a história do Brasil nos tempos de colégio? Em quais escolas foi dado um espaço relevante para acontecimentos mais recentes (digamos, posteriores à Semana de Arte Moderna)? Para quem não se lembra dos acontecimentos da época, Serra Pelada pode parecer uma obra tão ou mais distante que muita ficção científica hollywoodiana.

Eu mesma, por exemplo, sou muito nova para lembrar e também nunca me aprofundei no assunto. Por mais que a temática me atraia, confesso que só dei mesmo uma chance ao filme por ter roteiro e direção de Heitor Dhalia, um elenco interessante e por estar em um horário promocional (o que é sempre um fator importante para mim).

Serra Pelada conta a história de dois amigos com personalidades bem diferentes. Joaquim (Júlio Andrade) é um professor casado e prestes a ser pai, mas que deseja ficar rico para dar uma vida melhor a sua filha. Movido pela ambição, ele decide se aventurar até as jazidas de ouro de Serra Pelada com Juliano (Juliano Cazarré). Sem nada a perder, Juliano deixa as dívidas para trás e começa a crescer em um ambiente hostil, onde sua truculência e os seus desejos garantem status e poder.

Nesse ambiente, os dois têm que lidar com todo o cotidiano da mineração, com desmoronamentos, tiroteios, brigas, picuinhas, rivalidades, entre outras dificuldades. Além disso, há pessoas como o Coronel Carvalho (Matheus Nachtergaele), que tenta comprar todos os barrancos de mineração; a bela ex-prostituta Tereza (Sophie Charlotte); o influente Lindo Rico (Wagner Moura); e o vingativo Marcelo (Lyu Arisson).

Praticamente presos a um mundo paralelo, os personagens criam suas próprias leis e passam todo o tempo se desafiando. Uns querem mais, outros querem se manter, alguns sonham em fugir e as coisas andam da maneira mais atravessada possível. Em pouco tempo, não há mais relações de amor ou amizade e fica difícil torcer por alguém quando apenas o pouco carismático Joaquim é o único a despertar alguma simpatia.

Aliás, o filme constrói esse ambiente muito bem. Usando imagens de arquivo de forma inteligente e gastando direitinho seu orçamento de R$ 10,5 milhões, o longa-metragem convence na caracterização, nas maquiagens, na iluminação e nos cenários (foram utilizadas locações), aproveitando para disfarçar a violência. Há muitas mortes, uma boa dose de crueldade e diversas trapaças, mas nada que chegue a chocar verdadeiramente.

O detalhe é que, mesmo mostrando essa situação degradante, Serra Pelada não parece muito distante. Tudo aconteceu há pouco mais de trinta anos e a realidade da população brasileira não é tão diferente economicamente – se descobrissem uma nova jazida, multidões se deslocariam e fariam tudo novamente. O próprio Joaquim não é tão diferente de mim ou de você, tendo apenas embarcado em um sonho absurdo com o empurrão de um amigo.

Essa aproximação com o público seria ótima se tivesse sido efetivamente explorada. Mas Joaquim é um personagem fraco e Juliano não convence em momento algum. Suas atitudes são caricatas e suas falas são péssimas. Nem mesmo o personagem de Wagner Moura (que também produz o filme) se salva, pois ele apresenta um monte de trejeitos e nenhuma profundidade.

Serra Pelada funciona visualmente e faz algo ótimo para o cinema brasileiro ao explorar um assunto tão nosso. Contudo, o filme falha por não ter bons personagens, deixando o público a procura de alguém que desperte sentimentos de amor, ódio, raiva, carinho... Eles tentam, é verdade, mas falta coração.

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