Divagações: O Tempo e o Vento

Gostar muito de um livro pode ser uma coisa negativa quando ele é adaptado para o cinema. Afinal, nunca serão exatamente as mesmas palavr...

Gostar muito de um livro pode ser uma coisa negativa quando ele é adaptado para o cinema. Afinal, nunca serão exatamente as mesmas palavras, as mesmas emoções, as mesmas sequências de acontecimentos e assim por diante. Assim, apenas vendo o trailer, já fiquei receosa com relação a O Tempo e o Vento, que é baseado nos livros de Erico Verissimo.

Nesse caso, aliás, existe ainda o agravante de que se trata de uma obra muito extensa. O ideal seria aposta em uma série de filmes, mas até eu mesma admito que essa seria uma escolha muito arriscado. Afinal, estamos falando de cinema nacional e de livros mais antigos, publicados entre 1949 e 1961.

Para contar tanta coisa, O Tempo e o Vento começou fazendo o óbvio: cortando. Basicamente, o filme engloba apenas os dois primeiros livros (O Continente), apenas introduzindo algumas situações que seriam exploradas em O Retrato. Esse começo também traz as tramas mais conhecidas do público, algumas das quais podem ser adquiridas em livros individuais e que foram contadas na série de televisão de 1985.

A narrativa é toda feita pelo ponto de vista da velha Bibiana Terra (Fernanda Montenegro), que lembra histórias próprias e de seus antepassados. O destaque acaba recaindo para o romance de sua avó, Ana Terra (Cléo Pires), com o índio Pedro Missioneiro (Martin Rodriguez) e o encontro dela mesma (Marjorie Estiano) com seu amado Capitão Rodrigo (Thiago Lacerda).

Repleto de sóis (e algumas luas) nascendo e se pondo, O Tempo e o Vento se aproveita das belas paisagens dos pampas para criar o clima do filme e dar a sensação de identidade para aquele povo (uma vez que os atores não se esforçam muito para parecerem gaúchos). Comigo, que sou suscetível para essas coisas, o recurso funciona bem, mas a intenção fica tão óbvia que chega a enjoar um pouco.

Aliás, o diretor Jayme Monjardim é sempre criticado pelo excesso de açúcar e o tratamento dado ao filme mostra que ele está tentando lidar com isso, mas sem perder sua identidade. Há muito amor inexplicável e a primeira vista, mas os personagens fortes – com destaque para as mulheres – acabam equilibrando. Além disso, a escolha de Letícia Wierzchowski (que trabalhou ao lado de Tabajara Ruas) para o roteiro foi muito acertada.

Quanto ao elenco, nada chega a surpreender. A maior parte dos atores interpreta papeis similares ao que já se acostumou a fazer na televisão, havendo poucas surpresas. Cléo Pires é um pouco velha para interpretar Ana Terra e a falta de tempo prejudica a dinâmica da relação dela com Pedro Missioneiro. Já Marjorie Estiano convence mais como menina apaixonada que como a mulher amadurecida, prejudicando um pouco o trabalho das atrizes que a seguem, embora Fernanda Montenegro tenha realmente pouco a fazer. Por fim, Thiago Lacerda sorri muito e tenta entregar diferentes facetas, mas o ritmo corrido dá mais uma vez a sensação de que poderíamos ver mais.

Ao mesmo tempo, O Tempo e o Vento tem duas horas com longas pausas para observar o céu e apreciar a narrativa em off. Quem não está interessado na história desde o princípio pode acabar dormindo, mas muita gente pode descobrir um universo cultural muito amplo e interessante, que merece ser explorado mais a fundo – e que os livros voltem para as prateleiras das livrarias em belíssimas coleções, por favor.

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